“Hei de torcer, torcer, torcer, hei de torcer até morrer, morrer, morrer”. Os versos iniciais de um dos mais belos hinos do futebol brasileiro retratam bem a perseverança apaixonada vivida pelos torcedores sobreviventes do America. Há décadas eles resistem à decadência do clube que encantava o Rio com o indefectível uniforme vermelho e jogadores bons de bola.
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Passados 41 anos da coroação como “campeão dos campeões”, o declínio esportivo, econômico e midiático não desbota a importância histórica do America Football Club (sem acento, frisam os tradicionalistas), fundado em 1904, na Tijuca, Zona Norte carioca. Tampouco diminui a idolatria reciclada nas arquibancadas do subúrbio, da periferia e do interior fluminenses.
A devoção – escancarada já no hino composto, em 1945, por Lamartine Babo, ele próprio torcedor americano – renova-se entre a realidade de partidas sofríveis na segunda divisão do Carioca e o sonho de voltar à elite do futebol.
Boa parte dos que acompanham o America no prolongado purgatório não conheceu seus tempos de glória. No entanto, gerações distintas de torcedores alimentam, com o Diabo, uma relação acima dos resultados. Cultivam uma conexão além do futebol, uma identificação movida a afeto.
O time hoje flerta com a zona de rebaixamento para a terceira divisão do Campeonato Estadual. Martírio inimaginável para um clube que soma sete títulos cariocas – o último em 1960 – e arrebatou, em 1982, o Torneio dos Campeões. Convidado para esta competição nacional, que reunia os campeões e vice-campeões brasileiros, o America roubou a cena. Venceu o Guarani por 3 a 1 na final. Mais do que a conquista singular, a equipe rubra encantou por reunir talentos como Pires, Eloi, Moreno e Gilson Gênio.
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Sucessivos desacertos administrativos, políticos e financeiros empurraram o clube ladeira abaixo no fim do século passado. Para torcedores e dirigentes atuais, inúmeras são as razões de o America ter sumido das principais competições e dos holofotes. Envolvem desde brigas com a Federação do Rio e com a CBF até uma sequência interminável de equívocos gerenciais.
Conhecido como o clube mais simpático do Rio, “segundo time de todos”, o Mecão desfruta de um apoio generalizado à sonhada e difícil volta por cima. Parte dos torcedores preferiria, contudo, vê-lo temido pelos rivais, em vez de tratado como amigo da vizinhança:
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“Fico feliz quando passo com a camisa do America e o porteiro brinca: ‘Aqui é Flamengo, nada de America neste prédio’. Precisamos recuperar esse reconhecimento”, enfatiza André de Paula, o André das Faixas, criador da torcida AnarcomunAmerica. Ele integrava às três centenas de abnegados que incentivavam o time contra o Macaé na ensolarada tarde de 27 de maio. Mesma data, lembra André, do 0 a 0 entre o Mecão e o Besiktas, da Turquia, em 1959.
Os entusiastas agregados no estádio de Edson Passos, na Baixada, buscavam não só a vitória do anfitrião sobre a equipe costeira. Almejavam, acima de tudo, um reencontro com dias melhores.
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Diante da decadência americana, uma parcela dos torcedores refugia-se na nostalgia. Alguns deles apontam a mudança do campo – do Andaraí para Edson Passos – como um dos motivos da derrocada, e de certa perda de identidade. Na arquibancada, olhares desanimados suspiram saudades do “America de verdade”.
Outros mantêm a animação e a fé. Vibram com cada vitória chorada na Segundona. Desencavam formas independentes de ajudar o clube. Assim se comportam os integrantes da AnarcomunAmerica. Liderada por André, a torcida nasceu em 2018 também como resistência ao governo que começaria naquele ano. Um resgate das origens do clube, justifica o fundador. Ele argumenta que futebol e política costumam se misturar:
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“A ditadura sabotou Zico nas Olimpíadas de 1972, por conta de perseguições ao seu irmão Nando (Fernando Antunes Coimbra). Já havia sabotado Edu, seu outro irmão, não convocado para a Copa de 70, apesar do ano magnífico”, exemplifica.
Não obstante os ideais políticos, a campanha principal da torcida organizada concentra-se em atrair novas adesões ao America. Não raramente a organização banca o ingresso e o transporte daqueles que não podem arcar com os custos para ver o time nos gramados. Sem esforços deste tipo, o duelo contra o Macaé, pela terceira rodada da Série A2 do Estadual, teria reunido menos ainda do que 328 torcedores.
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O sol vespertino atormentava tanto quanto a sacrificada qualidade técnica do jogo. A equipe tentava corresponder ao clamor da arquibancada. Acumulava gols perdidos. A partida aproximava-se do fim quando esperança converteu-se em desespero. Aos 44 minutos do segundo tempo, o Macaé achou o gol em um escanteio. Quem não faz, toma, ensina a máxima do futebol.
A torcida mal esboçou reagir. O golpe parecia nem doer mais. Gritos pediam Romário, torcedor ilustre, para presidente do clube. Foram logo abafados por integrantes da AnarcomunAmerica.
O bate-boca tornou-se inevitável. Confusão no campo e na torcida. Apesar da frustração, os alvirrubros, escaldados com o longo inferno, aparentavam não se abalar. Uns guardavam os instrumentos de percussão. Outros combinavam o encontro para o jogo seguinte, garimpavam aspectos positivos da partida, faziam contas para fugir de mais um rebaixamento.
*João Vitor Lopes e Rodrigo Carauta, estudantes de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.