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Do pioneirismo à poesia: a trajetória da sufragista Almerinda Farias Gama

Com atravessamentos de raça, classe e gênero, Almerinda foi um importante nome que fez parte da conquista do voto feminino há 90 anos

Por Leticia Quadros*
20 set 2022, 18h31
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  • Pobre. Preta. Nordestina. Essa foi Almerinda Farias Gama, única mulher a votar como delegada na Assembleia Nacional Constituinte de 1933. A então presidente do Sindicato das Taquígrafas e Datilógrafas, foi eleita representante classista, o que permitiu que ela pudesse votar e ser votada.

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    Almerinda também, por muitas vezes, foi o rosto público da campanha feminista pelo voto, de acordo com a doutoranda e mestra em História pela Universidade de Brasília (UnB), Cibele Tenório.

    Apesar de não haver uma confirmação, segundo a assistente de pesquisa do Arquivo Nacional, Denise Bastos, existem indícios de que o Sindicato foi criado como uma estratégia das mulheres da Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino da qual Almerinda também fazia parte, presidido por Bertha Lutz, para que houvesse uma representação feminina na Assembleia.

    Foto mostra Almerinda Gama junta a mulheres que posam em uma foto. Há duas fileiras, a primeira tem mulheres ajoelhadas, a segunda tem mulheres em pé
    Almerinda Gama: luta ativa para garantir o direito feminino ao voto (./Reprodução)
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    O incômodo de Almerinda com a realidade das mulheres se deu quando procurava emprego, e descobriu que os salários das mulheres eram inferiores aos dos homens para o mesmo serviço. Através da filiação à Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, iniciou sua luta pelos direitos das mulheres.

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    Almerinda, entretanto, vivia uma realidade diferente das outras integrantes, como é possível constatar em uma carta enviada à Bertha Lutz, encontrada no Arquivo Nacional, na qual perceber atravessamentos sociais, como a falta de condição financeira de Almerinda para fazer uma viagem para participar da Segunda Convenção Feminista. 

    A dificuldades enfrentadas por Almerinda não fizeram com que ela diminuísse sua luta. Cibele Tenório considera que a história da sufragista é importante e emocionante pois desloca as mulheres negras de um lugar de subalternidade, que é um lugar frequentemente imposto pela sociedade.

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    Na Federação, por exemplo, Almerinda exercia importante papel de publicização das ações feitas pelo movimento em prol da luta pelos direitos das mulheres. “Quando precisava falar nos jornais, ela falava. Ela também fazia um papel meio de assessora de imprensa, porque transformava as reuniões e ações em notícia para jornal, e isso era uma coisa muito importante”, comenta Cibele.

    A pesquisadora ainda completa afirmando que a realidade diferente de Almerinda fez com que sua atuação não ficasse restrita à apenas um movimento. Além de lutar pelo voto feminino, a sufragista também tinha na pauta a luta pelo divórcio, e pela educação para todas as classes sociais, e não apenas para as mulheres, como defendiam algumas integrantes da Federação.

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    Almerinda também exerceu um importante papel sindical, sendo considerada uma líder sindicalista, ratificando sua veia multifatorial.

    Partido Socialista e Proletário do Brasil

    Foto mostra título do Mafinesto do Partido Socialista Proletário
    Partido Socialista e Proletário: Almerinda fundou e presidiu até 1937 (./Reprodução)

    No ano seguinte à conquista do voto feminino, para continuar a luta por seus ideais, Almerinda tentou se candidatar como deputada para a Câmara Federal, mas não foi eleita. Ela, porém, continuou na vida política através do Partido Socialista e Proletário do Brasil, partido que fundou e foi presidente até 1937, quando foi extinto pelo Estado Novo.

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    No Arquivo Nacional, como destaca Denise Bastos, é possível encontrar o manifesto do partido no fundo do Tribunal de Segurança Nacional. Dentre as pautas defendidas, podemos destacar: direito à greve, leis trabalhistas, sufrágio universal para os maiores de 18 ano, separação total entre Igreja e Estado, gratuidade e obrigatoriedade do ensino primário em todo o país e o direito ao divórcio.

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    O silenciamento e a memória seletiva 

    A pesquisadora Cibele Tenório evidencia uma questão importante na trajetória de Almerinda: o apagamento histórico. Ela conta que, por diversas vezes, viu postagens com fotos de Almerinda, mas sem a identificação de que era a sindicalista na foto. Cabia a Cibele, então, entrar em contato para informar que aquela era Almerinda Gama.

    A pesquisadora ressalta que trazer a história da sufragista negra à tona é importante não apenas por uma reparação histórica, mas também para pensarmos nas nossas ações cotidianas: “Não só por uma questão de reconhecimento, mas porque entender como a Almerinda atuava, é entender um tipo de sabedoria ancestral. As estratégias que essas mulheres tinham, e como você atualiza isso para as ações hoje, enquanto mulheres que militam nas mais diferentes áreas”

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    Cibele também lembra que a história de Almerinda foi marcada pela oralidade, e com pouca documentação física, o que dificulta a perpetuação. Ela ainda faz um questionamento em torno da “memória seletiva”, sobre as relações de poder nas seleções sobre o que ou quem “merece” estar nos acervos. De acordo com Cibele, o apagamento também começa na escolha dentro desses espaços onde se guardam os rastros do passado.

    Veia Artística

    Além de uma vida ativa e engajada na política e nas causas sociais, Almerinda também era artista. Tocava piano, escrevia crônicas para os jornais e, em 1942, lançou um livro de poesias chamado Zumbi, no qual também foi responsável pelas ilustrações.

    Sobre essa questão, Cibele Tenório relembra que, na pesquisa que fez para o mestrado, indícios apontavam que Almerinda lançou o livro de forma independente, sem o apoio de nenhuma editora em uma época que poucas mulheres publicavam, e mulheres negras menos ainda. 

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    Para a pesquisadora, esse fato resume a história de Almerinda, uma mulher que sempre dava um jeito de “se virar”. Cibele cita a frase da médica e ativista Jurema Werneck, “os nossos passos vêm de longe”, para retratar a importância da luta e da história de Almerinda, que reverbera nas atuações de mulheres negras nos dias de hoje: 

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    “Quando a gente fala que os passos vêm de longe, ancestrais sejam na África ou no Brasil, é sobre como você traz esse tipo de estratégia de sobrevivência de criar os próprios caminhos, sem se limitar aos espaços que a sociedade branca impõe. Existe uma linha de atuação que se parece que tem a ver com uma ancestralidade, e uma organização que não falta ternura. Tem luta, mas tem afeto, e para mim a Almerinda é isso”.

    O voto feminino no Brasil 

    A professora colaboradora do PPGH da PUC-RS, Mônica Karawejczyk, lembra que, no Brasil, nunca houve uma restrição legal para o voto feminino. Isso porque a Constituição de 1891 considerava votantes os “cidadãos maiores de 21 anos” e, com isso, as mulheres não estavam de fora.

    A redação ambígua, porém, tornou a proibição moral, e o voto feminino dependia da boa vontade do Juiz Eleitoral, que, no local, julgava se as mulheres poderiam ou não exercer tal direito. Mônica ressalta que, já existia, nessa época, 6 emendas com a proposta do voto feminino.

    Para compreender como as mulheres conseguiram exercer o direito ao alistamento na lei, Teresa Marques, professora de História do Brasil na UnB, afirma que é importante olhar para o contexto da América Latina. Países vizinhos como Uruguai, Equador e Argentina vinham travando discussões nessa direção e o que também gerava um ambiente de pressão para que o voto feminino fosse aprovado no Brasil 

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    A conquista veio em 1932, após uma reformulação do Código Eleitoral, proposta pelo então presidente Getúlio Vargas. Em setembro de 1931 foi feito um anteprojeto no qual a proposta do alistamento feminino era muito restritiva, sendo apenas para as mulheres que trabalhavam, não fossem casadas, dentre outras regras.

    A partir das pressões dos grupos feministas, como a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, da qual Almerinda fazia parte, o voto acabou estendido nos mesmos termos para homens e mulheres. A redação, dessa forma, promulgada em 24 de fevereiro de 1932, por meio do Decreto 21.076, acrescentava seis palavras ao que estava escrito na Constituição de 1891: “cidadãos maiores de 21 anos, de um e de outro sexo”. 

    *Leticia Quadros, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.

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    Este conteúdo integra o conjunto transmídia que reúne produções em texto, áudio e vídeo sobre memória. Foram feitas por estudantes de Comunicação da PUC-Rio, com a orientação dos professores Alexandre Carauta, Creso Soares Jr., Chico Otavio, Felipe Gomberg, Luís Nachbin e Mauro Silveira.

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