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A transformação da natureza nas cidades isoladas

Tranquilidade nas ruas com as medidas de confinamento tiraram a 'timidez' de animais e mudaram a paisagem do mundo todo — inclusive a do Rio

Por Saulo Pereira Guimarães
Atualizado em 22 Maio 2020, 19h13 - Publicado em 1 Maio 2020, 08h00
Baía de Guanabara, 15 de abril: sem o movimento dos barcos,tartarugas nadam próximo à margem  (Leo Lemos/Veja Rio)
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O apelido de sereníssima nunca fez tanto sentido para Veneza. Sem as multidões de turistas circulando pela gloriosa Piazza San Marco, o cartão-postal italiano viu o vaivém de embarcações diminuir na quarentena imposta pela Covid-19. Consequência: o ar ficou mais limpo sem a fumaça dos motores dos barcos e a água dos canais ganhou novas tonalidades com a baixa do movimento nas vias fluviais. A tranquilidade é tanta que uma pata decidiu fazer seu ninho em plena Piazzale Roma, local aonde chegam trens, ônibus e táxis que trazem (ou melhor, traziam) os turistas.

Efeito colateral da pandemia e do isolamento social imposto como tentativa de freá-la, a natureza está retomando

aos poucos seu espaço e forma em diversas partes do globo. “Com menos gente nas ruas, os animais ficam mais à vontade para circular e a redução da poluição sonora faz com que percebamos a presença deles com facilidade”, diz a bióloga Katyucha Silva, analista ambiental do Parque Nacional da Tijuca.

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Comparação: imagens de satélite mostram a redução de poluição no Rio e em São Paulo (IMA (SC)/Reprodução)

Quem vive no Rio próximo de alguma área verde certamente já reparou no canto mais presente de pássaros e em outras surpresas mais. Durante uma caminhada noturna com seu cão pela Praça Saens Peña, na Tijuca, Katyucha flagrou morcegos comendo insetos no chão, uma expressão do mundo natural impensável quando a região seguia em sua agitação habitual. As transformações na paisagem têm relação direta com o confinamento. Um relatório do Google apontou quedas entre 35% e 72% nos registros de movimento em estações, lojas e pontos de ônibus da  idade. Quando se consideram áreas de lazer, a redução é ainda maior: 74%. Entram nessa categoria praças, jardins e
praias, onde os indicadores de balneabilidade são os melhores desde 2017.

Mesmo locais geralmente poluídos – como Leme e São Conrado – estão mais limpos, e até a Baía de Guanabara vem tendo seus dias da Veneza (pós-coronavírus). Com a presença bem menor de embarca ações e a evaporação de parte da poluição provocada por elas, grupos de tartarugas marinhas têm aparecido com frequência próximo à costa

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para se alimentar. Apesar de a prefeitura ter interrompido o monitoramento da qualidade da areia no ano passado, especialistas acreditam que ela também tenha melhorado consistentemente durante a quarentena.

“Com menos banhistas, o volume de lixo na orla diminuiu e, assim, a quantidade de fungos e bactérias. Em menor escala, esses microrganismos são depurados mais rapidamente pelo sol e o resultado é uma areia mais limpa”, explica o engenheiro ambiental David Zee, professor da Faculdade de Oceanografia da Uerj. O ar mais puro é outro bem-vindo ganho coletivo. Medições da prefeitura indicam qualidade boa em 93 das 104 avaliações realizadas nos catorze primeiros dias de abril, o melhor resultado para o período desde 2014.

Alguns bairros sobressaem: Campo Grande, Irajá, Pedra de Guaratiba, São Cristóvão e Tijuca cravaram nota máxima em todas as análises recentes. Isso significa menor concentração de poluentes como o monóxido de carbono ó vinculado a problemas nos sistemas cardiovascular e nervoso ó e o dióxido de nitrogênio, que aumenta o risco de provocar asma e outras doenças respiratórias.

Imagens captadas pelo satélite Sentinel-5P, da Agência Espacial Europeia, comprovaram a redução acentuada desses compostos químicos em várias cidades do Brasil, como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Goiânia, Curitiba, Salvador e Belo Horizonte.

A análise comparou as manchas de poluição de 20 de março a 8 de abril deste ano com o mesmo período do ano passado. Não custa lembrar que os ventos limpos ainda deixam as estrelas mais visíveis ó fenômeno que pode ser apreciado da janela de casa. A redução no número de veículos em circulação está entre as razões para a baixa nos poluentes. Dados do Centro de Operações Rio apontam uma diminuição de mais de 60% nos níveis de congestionamento na cidade entre 16 de março e 6 de abril. A diferença é ainda maior se considerada a hora do rush: às 19 horas das sextas-feiras a diferença entre hoje e antes bate os 97%. Os benefícios de ter menos carros nas ruas não param por aí. “Todos os meses, encontramos animais atropelados nas vias que cortam a Floresta da Tijuca. Na situação atual, a probabilidade de termos acidentes como esses diminui de forma importante”, afirma Katyucha.

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Essas transformações na maravilha de cenário carioca chegam no momento em que o planeta emite sinais de que vive uma crise climática. A queima de combustíveis fósseis por fábricas e veículos aumentou a emissão de dióxido de carbono e outros poluentes, que, retidos na atmosfera, esquentam a Terra. Eis o efeito estufa. De acordo com a  Nasa, as temperaturas médias da superfície terrestre registradas nos últimos cinco anos são as maiores desde o
começo das medições, em 1880.

Consequentemente, tornam-se mais frequentes eventos climáticos extremos ó como as dramáticas enchentes no Rio. Todos os dez maiores volumes de chuva em um dia já registrados na cidade aconteceram na última década. Embora a quarentena dê uma trégua à exploração dos recursos naturais, especialistas temem que as melhorias ambientais devam sumir quando tudo voltar ao normal – isso se nada for feito, é claro. Para eles, o principal legado deste período será a conscientização. “A natureza ainda tem condição de se recuperar por conta própria, desde que o homem pare de poluir”, avalia Zee. A quarentena pode nos proporcionar um bom momento para refletir sobre a paisagem que queremos.

O planeta agradece
A quarenta mundo afora estimulou de acasalamento de pandas a invasão de cidade por cabras

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(Ocean Park Hong Kong/Veja Rio)

Hong Kong, China
Sem a presença de visitantes desde 26 de janeiro, o Ocean Park viu seu casal de ursos pandas acasalar pela primeira vez em dez anos. A fêmea Ying Ying e o macho Le Le têm 14 anos e um encontro entre os dois vinha sendo estimulado desde 2011 — sem sucesso. Os especialistas acreditam que o ambiente mais tranquilo no parque contribuiu para o festejado acasalamento.

Daily Life In New York City Amid Coronavirus Outbreak
(cindy Ord/aFP/Getty Images)

Nova York, Estados Unidos

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Satélites da Nasa registraram o desaparecimento de nuvens de poluição sobre a cidade duas semanas após o início do isolamento. Segundo a Universidade Columbia, a concentração de monóxido de carbono no ar caiu pela metade.
Como se sabe, o gás aumenta a ocorrência de problemas vasculares e outras doenças.

Virus Outbreak Italy
(Andrew Medichini/Getty Images)

Veneza, Itália
As multidões de turistas deram lugar às aves. Ponto de chegada dos visitantes, a Piazzale Roma vazia passou a abrigar um ninho de patos. O menor número de embarcações permitiu que a sujeira assentasse no fundo dos canais,

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trazendo à tona a visão de cardumes de peixes em águas de cor turquesa.

The spread of the coronavirus disease (COVID-19) in Llandudno
(Carl Recine/Reprodução)

Llandudno, Reino Unido
Um rebanho de aproximadamente 100 cabrasda-caxemira que vivem nas cercanias da localidade invadiu uma das principais avenidas da esvaziada cidade, de cerca de 20 000 habitantes, no País de Gales. Em entrevista à BBC, autoridades afirmaram que a inesperada “visita” se deveu à falta de pessoas circulando pelas ruas.

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