O sucesso da Copa do Mundo no Rio é indiscutível e deve muito ao esforço coordenado de autoridades e representantes de diversos setores ? além, é claro, do próprio carioca. A única surpresa foi a avalanche de torcedores vindos dos países vizinhos, que chegaram à capital dirigindo seu carro ou motor home. Sem lugar para se hospedarem, ingresso para as partidas, dinheiro para refeições nem sequer previsão de duração de sua estada, acabaram abrigados no Terreirão do Samba, no Sambódromo e no Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas. Apesar dos percalços, os hóspedes adoraram a festa. Tanto que, na semana passada, muitos deles, quase todos argentinos, tiveram de ser polidamente desalojados ? alguns enfrentavam tal penúria que precisaram até de um empurrãozinho do consulado local para conseguir tomar o rumo de casa.
Bem-sucedida, a operação de acolhida aos hermanos ganhou status de prioridade na política de turismo da prefeitura para o maior evento esportivo da história da cidade, os Jogos de 2016. Em meio à multiplicidade de canteiros de obras que já tomam vários bairros, a agenda olímpica incorporará um grande estacionamento dotado de infraestrutura para esse novo tipo de visitante. “Fomos surpreendidos porque não havia informação ou controle nos postos de fronteira, muito menos canais oficiais de turismo para orientar essas pessoas, mas o importante é que acomodamos bem a todos e estaremos mais preparados na Olimpíada, com espaços específicos para esse público e pelo menos dois live sites, um tipo de Fan Fest”, diz Antônio Pedro Figueira de Mello, presidente da Riotur.
É importante ter em mente que a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são dois eventos muito diferentes entre si. Enquanto o primeiro recebe oficialmente 31 países, toma um mês inteiro e se espalha por doze sedes, o segundo concentra delegações de mais de 200 países em uma única cidade por apenas duas semanas. O nível de complexidade exigido da organização é muito maior que o que experimentamos agora. O perfil do turista que vem daqui a dois anos também tende a ser diferente daquele visto no último mês ? com predominância de homens e hordas de torcedores fanáticos. Por isso, a prefeitura adota a cautela quanto ao tamanho do espaço dedicado aos vizinhos sem dinheiro que, ainda assim, quiserem participar da festa do esporte. Em Londres, em 2012, o gasto médio do visitante durante a maratona esportiva foi simplesmente o dobro do habitual ? 2?200 dólares por estadia em agosto daquele ano contra 1?100 nos outros meses. “Passei lá pelo Terreirão e quase chorei. Eles não tinham nem onde tomar banho direito”, diz George Irmes, presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagem. Também incomodou o comportamento de alguns deles, que picharam o Sambódromo com frases ofensivas ao país e queimaram bandeiras brasileiras. “Não podemos tomar o comportamento de uma minoria como padrão. De maneira geral, trata-se de visitantes apaixonados pela cidade e que tiveram comportamento exemplar”, contemporiza Leonardo Maciel, presidente da Rio Eventos.
Apesar de terem atraído tanta atenção e alimentado alguma polêmica, os hermanos dos motor homes não tiveram peso significativo no total de 471?000 estrangeiros que passaram pelo Rio na Copa, mesmo entre argentinos, o maior contingente. Segundo a prefeitura, foram registradas apenas 900 entradas nos estacionamentos criados às pressas. As estatísticas mostram que a imensa maioria dos visitantes se hospedou mesmo em hotéis ou imóveis alugados e gastou bem no Rio ? em média 639,53 reais por dia, perfazendo um total de 4,4 bilhões de reais, um recorde histórico. Especialistas são unânimes em afirmar que a boa imagem da cidade terá impacto positivo no número de forasteiros daqui para a frente. “O Rio fez esse sucesso todo em pleno inverno. Já no próximo verão devemos ver um volume maior de turistas e com perfil mais diversificado”, diz Osiris Marques, coordenador do Observatório do Turismo. O desafio agora é criar condições para que todos desfrutem o mesmo grau de encantamento.