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Uma entrevista com Brenda Valansi, criadora da ArtRio

A sócia do evento relembra a criação da feira, critica a burocracia com relação à importação de obras de arte e revela seus artistas preferidos

Por Rafael Teixeira
Atualizado em 5 dez 2016, 11h57 - Publicado em 1 set 2015, 19h41
Brenda Valansi
Brenda Valansi ( Guilherme Leporace/Ag. O Globo/)
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Escorada em diversos cursos no Parque Lage e de História da Arte na PUC, a carioca Brenda Valansi já se arriscou como artista plástica no passado, expondo em individuais e coletivas no Brasil e até no exterior. Hoje, aos 37 anos, sua ligação com a arte está mais do que consolidada, mas de uma forma bastante diferente. Idealizadora e sócia da ArtRio, feira de arte que entra em sua quinta edição, de quinta (10) a domingo (13), ela virou uma empresária reconhecida nessa seara – no ano passado, ela foi eleita uma das dez mulheres mais influentes do mercado de arte  na atualidade, honraria concedida pela edição francesa da revista Vanity Fair, que elegeu ainda nomes como Kathy Halbreich, diretora adjunta do MoMA, e Emma Lavigne, diretora do Centre Pompidou-Metz. Hoje, como ela diz, a ArtRio, apesar de durar oficialmente menos de uma semana, é um trabalho de ano inteiro. “Quando a feira, termina já estamos pensando na edição seguinte, e logo um mês depois começam as inscrições (das galerias) para o novo ano. Eu vivo de arte 365 dias por ano”, diz. 

Na entrevista a seguir, Brenda relembra a criação da ArtRio, critica a burocracia brasileira com relação à importação de obras de arte, comenta a evolução do público do evento, revela seus artistas preferidos e dá conselhos a jovens artistas. Confira:

Que balanço você faz da ArtRio desde a sua criação?

Nossa meta é, a cada ano, fazer uma feira melhor em termos de qualidade. É ter um evento que possibilite bons negócios para as galerias presentes, novas oportunidades e a descoberta de novos artistas, pensando nos colecionadores e curadores. E, muito importante sempre, que ajude a difundir o conceito de arte no país e a aumentar nosso público. A ArtRio, desde a primeira edição, teve uma forte aceitação das galerias nacionais e internacionais, o que pode ser comprovado pela presença dessas galerias, e também do público. Credito isso ao profissionalismo e seriedade com que trabalhamos em todas as etapas da produção e da organização.

Em que momento você se deu conta de que a ArtRio deu certo? Houve um episódio em que essa ficha caiu?

Sempre temos momentos, grandes e pequenos, que indicam que estamos no caminho certo. Quando, já na primeira edição, tivemos a participação importantes galerias internacionais e brasileiras e uma visitação superior a 70000 pessoas, ficou muito evidente que existia um público de arte no Rio de Janeiro exatamente esperando por um evento como este. Ver os armazéns cheios, em 2012, confirmou o sucesso. 

Voltando um pouco no tempo, você pode contar como surgiu a ideia de criar uma feira de arte no Rio?

Eu sempre me questionei sobre a inexistência de uma feira de arte, nos padrões internacionais, no Rio. Não era possível que a cidade que praticamente representa o Brasil internacionalmente, reconhecida como uma das mais criativas do planeta, não sediasse um evento deste segmento. Foi quando comecei a observar que feiras internacionais estavam analisando o mercado brasileiro para produzir aqui edições locais de suas marcas. Bem, isso não fazia o menor sentido. O Rio merecia uma feira de arte mas feita por cariocas de acordo com nosso cenário e realidade, e capaz tanto de atender ao público brasileiro como também atrair o público internacional.

Quais foram as principais dificuldades no percurso até a realização da primeira edição?

Não vou dizer que foi simples e fácil, foi trabalhoso e difícil. Sei que muitas galerias e profissionais do ramo questionavam quem estava por trás do projeto, qual experiência em organizar feiras deste porte, quais os contatos no mercado tínhamos e milhões de outros pontos. Mas eu sabia que tinha um projeto muito bom nas mãos, que o Rio merecia este evento, e que também precisava de parceiros para colocar esta feira de pé. Eu conheço arte, mas não sou da área de marketing e patrocínio. Então, desde a primeira edição, temos como sócios dois executivos que conhecem essas atividades como ninguém, que são o Luiz Calainho e o Alexandre Accioly.

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A tão propalada burocracia brasileira é sempre um alvo de reclamações de artistas, marchands e colecionadores. Como isso atrapalha não apenas a ArtRio, como o mercado de arte como um todo? 

É impensável que um país como o Brasil trate neste nível arte como qualquer outro bem de consumo ou produto de varejo. O Brasil, suas coleções e museus, têm um enorme déficit quando falamos em obras internacionais justamente por conta desse cenário. Dessa forma, nossos acervos têm lacunas e o público não tem a oportunidade de conhecer obras e artistas, estilos e escolas, movimentos de forte importância para a história da arte, mas também do comportamento e da sociedade. Hoje, trazer uma obra de arte para o Brasil gera impostos enormes, o que inclusive favorece uma forte distorção do valor de mercado da obra. Em alguns casos, esses impostos incidem cerca de 40% sobre o valor pago. No caminho inverso, tirar uma obra brasileira do país é muito simples. Não existe nenhum imposto para a saída, você apresenta o seu certificado de compra.

Que ideias poderiam ser colocadas em prática para minimizar esse problema da burocracia?

Em primeiro lugar entender que arte é cultura, história. O avanço de um país está diretamente ligado a seu conhecimento. Os percentuais dos impostos no Brasil são, em alguns casos, nove vezes mais altos que em outros países. A ArtRio conquistou um grande feito no país desde sua primeira edição, que é a isenção de ICMS para as obras estrangeiras adquiridas por residentes do Rio dentro da feira. Porém, esse tipo de ação deveria acontecer o ano inteiro, e ser extensivo a todo país. Foi o primeiro passo para um objetivo maior e de extrema importância, a revisão da política de impostos sobre obras de arte no Brasil.

Como a crise que o Brasil enfrenta atualmente afetou a feira deste ano?

Não vamos negar que a atual crise, econômica e política, tem forte efeito sobre o país e também sobre as decisões de compra a serem tomadas. Porém, é importante reforçar que a arte pode e deve ser vista como um importante investimento, algo que terá seu valor sempre em alta. Teremos no evento grandes galerias, brasileiras e internacionais, muitas presentes da ArtRio desde sua primeira edição. Comprar arte em uma feira série é comprar uma obra que já passou por uma curadoria inicial, já foi selecionada. E é um ativo.

Como você lida com o assédio que deve rolar, de artistas, marchands e colecionadores, nas semanas e dias que antecedem o evento?

Na verdade é um ambiente bem saudável, um frisson bacana em um mercado que está crescendo muito no país. Como todas as galerias que participam da ArtRio são selecionadas por um comitê, todos sabem que irão encontrar o que há de melhor no cenário atual. É um movimento normal de mercado. Muitos eventos são marcados para o período da feira justamente porque todo o mercado está voltado para isso e muitas pessoas de fora vêm para o Rio. Muitas galerias agendam suas vernissages, artistas marcam visitas a seus ateliês, colecionadores abrem suas coleções para visitação e outros eventos.

Como você avalia o interesse e o comportamento do público leigo, frequentador da ArtRio, da criação do evento para cá?

Um dos pontos mais importantes da ArtRio é a formação de um novo publico para a arte, para dar acessibilidade ao maior número de pessoas interessadas no segmento. A existência desse público e seu forte interesse pelo tema ficaram claros desde o primeiro ano. Por isso, além da feira, temos o portal da ArtRio, que durante o ano inteiro é uma grande fonte de notícias sobre a arte. Visitar a ArtRio é ter um grande recorte da arte moderna e contemporânea mundial. Você encontra obras de Picasso, Salvador Dali, Beatriz Milhazes, Tunga, entre outros. Para o público leigo, é como um pouco do acervo de diferentes museus do mundo. E o público reconhece a importância das obras que encontra no evento, está cada vez mais fazendo perguntas e buscando se interar sobre o que está vendo.

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E como você analisa a evolução do público de fato interessado em arte em um nível mais alto? Você sente que aumentou a quantidade de colecionadores, por exemplo?

O novo colecionador brasileiro é jovem, busca a arte como conhecimento e valoriza novas descobertas. Muitas pessoas hoje pedem obras de arte inclusive nas suas listas de casamento, já que muitos já têm suas casas montadas e querem algo com um valor diferenciado. O novo colecionador também busca artistas jovens, aos quais hoje ele tem acesso, mas que já indicam futuro promissor de valorização. Ele também tem mais ousadia e analisa obras como instalações e vídeos, sabe que essa multiplicidade é interessante. Ele também não tem receio de perguntar, pesquisar e mesmo de questionar valores. Compra o que gosta, mas analisa primeiro diversos fatores que podem ter impacto na valorização daquela obra. E temos também os colecionadores tradicionais, onde este hábito e tipo de investimento é passado de pai para filho.

Ter obras de arte sempre foi sinônimo de status. Ainda existe um certo público que só se preocupa com isso, com o status que a arte traz?

Isso está mudando cada vez mais. As pessoas colecionam arte por gosto e prazer e, também, como investimento. O valor está na obra e ter aquela peça é um motivo de orgulho, não mais de puro status. E esse orgulho está baseado no conhecimento que a pessoa tem sobre o mercado, o tipo da obra, suas origens e história. No mundo atual, o status pela posição, somente, está desaparecendo. As pessoas são muito mais pé no chão e valorizam o conhecimento e as conquistas.

Como você analisa a obsessão contemporânea de fotografar obras de arte? 

Esse é um fenômeno do mundo moderno e é global, atinge todas as classes e idades. Mas temos que lembrar que, há muitos anos, as pessoas compravam slides de exposições em museus, e também livros e postais. Hoje, no mundo conectado e instantâneo, é natural que tudo seja via celular e nas redes sociais. Nós, inclusive, criamos a hashtag #compartilhearte para que as pessoas possam marcar e dividir essas fotos com suas redes. Vejo isso como uma possibilidade de aumentar o alcance da arte.

Que tipo de arte você, pessoalmente, gosta?

Gosto de arte em geral, mas confesso que tenho especial preferência por pintura.

Quem são seus artistas preferidos?

Nossa são tantos… Sou apaixonada pelo trabalho da Adriana Varejão, pela sua profundidade. Pelo Tunga, por sua alquimia. Pelo Ernesto Neto, por sua diversão. Ronaldo do Rego Macedo, que é um mestre da pintura, Rodrigo Andrade, Cristina Canale, Lucia Laguna, Eduardo Berliner, Vergara, Bechara… E, claro, nossos queridos Hélio Oitica e Lygia Clark. Entre os estrangeiros, amo mais que tudo os grandes mestres como Monet, Cezanne, Picasso, Matisse, Miró… 

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Para você, há diferença entre aquela arte que você gosta para contemplar em uma exposição e o tipo de arte que você tem ou gostaria de ter na sua casa?

A arte que você busca numa exposição está muito ligada ao conhecimento, a ver novos trabalhos e novos artistas, a evolução. E mesmo a entender um ciclo ou uma escola, ver detalhes técnicos e mesmo comparar com o que você já conhece. A arte que você escolhe para sua casa é diferente. Você escolhe o que mais gosta, o que mais emociona. E, no caso do colecionador, o que complementa as obras que ele já tem. Porém, muitas vezes existe o artista que você ama e não pode ter por razões financeiras. Neste caso, contemplá-lo em museus e galerias já é bastante satisfatório.

Você é também uma colecionadora? Pode revelar algumas obras que você tem em casa? 

Sim, eu coleciono já há alguns anos, principalmente pintura. Minhas aquisições recentes foram Waltercio Caldas, Lucas Arruda, Ana Bella Geiger, Ronaldo do Rego Macedo e Eliana Porter.

Se pudesse escolher qualquer obra da história da arte para ter em casa, qual seria?

Water Lillies, de Monet. Acho que passaria a vida inteira olhando…

Antes da ArtRio, você se arriscou como artista plástica. Como anda esse seu lado? Você continua produzindo?

Eu me considero uma pessoa que estudou arte e que desenvolveu projetos e obras bem interessantes. Fiz excelentes cursos na Escola de Artes Visuais, no Parque Lage, com grandes mestres e estudei História da Arte na PUC. Antes da feira, coordenava um espaço inovador de arte e cultura chamado CRANIO. Mas, quando demos início ao projeto da ArtRio, entendi na hora que essa era minha prioridade, e hoje me dedico 100% a Bex, empresa controladora da ArtRIo e IDA – Feira de Design do Rio. Devo muito do meu sucesso empresarial às aulas de arte e meus professores Coloco em prática muitos conceitos que aprendi no meu dia a dia. A ArtRio funciona “rendondinha” pois aprendi que não existe trabalho de arte sem fundamento, sem razão, dedicação e sem algo a dizer, por mais sutil que possa ser.

Quais são as principais dificuldades para quem quer fazer carreira como artista no Brasil?

Eu não vou falar em dificuldade, prefiro dizer coisas importantes que ele deve buscar. Faça bons cursos com professores com quem você se identifica. Visite museus, galerias e espaços culturais. Busque sempre informações do que está acontecendo em outros países, não só no campo da arte mas no comportamento. Inscreva-se em residências. E, muito importante, seja autêntico e não tenha medo de errar. Estude muito!

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Que conselhos você daria para quem quer começar uma coleção de arte?

Estude, visite galerias, converse com galeristas, tire todas as dúvidas com pessoas do mercado. Não saia comprando qualquer coisa em qualquer lugar. Busque feiras e galerias bem sucedidas e até mesmo os serviços de consultores.

 

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