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Cada vez que sai para uma festa, a estudante Letícia Queiroz, de 16 anos, moradora da Tijuca, se dedica a um complicado ritual em frente ao espelho. Ela enrola sete meias-calças para formar uma bola e fixa o arranjo no topo da cabeça. Penteia os longos cabelos castanhos por cima da pelota de náilon para escondê-la por completo. Para manter a estrutura no lugar, aplica uma pesada camada de laquê por cima de tudo. O arremate é dado com uma fita que realça o coque, numa adaptação de um penteado típico dos anos 60, chamado de beehive (colmeia) ? na internet, há videos que mostram outras variações com esponjas de aço ou latinhas de cerveja como recheio. Arrumado o cabelo, completam o look batom vermelho, delineador nas pálpebras e um adesivo sobre o lábio, imitando um piercing. No braço, Letícia desenha uma ferradura e escreve as palavras Daddy?s Girl (garota do papai, em inglês). Depois que tudo fica pronto, ela economiza nos movimentos, pois um gesto brusco pode colocar abaixo toda a complexa produção. “Dá trabalho, mas vale a pena. Outro dia fui a uma festa de debutante e arrasei”, conta Letícia. Com seu excêntrico visual, ela procura mimetizar Amy Winehouse, diva britânica do pop e da soul music, que desembarcou no Brasil na quarta-feira (5) para uma série de cinco shows, dois deles no Rio de Janeiro, na segunda (10) e na terça-feira (11). Fanática pela cantora, a adolescente está exultante. “Ela é simplesmente o máximo”, resume.
Esse tipo de idolatria está longe de ser um caso isolado. Dona de uma popularidade estrondosa, a inglesa tem estatura de uma pop star capaz de rivalizar com as maiores estrelas do mundo musical. Aos 27 anos de idade e com uma carreira meteórica aglutinada em torno de dois CDs, lançados em 2003 e 2006, ela é um fenômeno de público e crítica. Seu último e mais famoso trabalho, o disco Back to Black, superou 30 milhões de cópias vendidas e arrebanhou cinco Grammy, o prêmio máximo da indústria fonográfica, nas categorias disco pop, gravação, canção (a já antológica Rehab), performance pop feminina e artista revelação. Ao mesmo tempo, Amy tem deliciado os tabloides e revistas de fofocas com uma personalidade errática, marcada por escândalos, bebedeiras homéricas, distúrbios nervosos (como bulimia) e incursões recorrentes pelo universo das drogas. Com uma espontaneidade sem limites, não se constrange em fazer o que bem entende, mesmo que isso signifique dar vexame ? como subir bêbada no palco, disparar palavrões a esmo ou espancar fãs que tentam ajudá-la se a encontram caída na rua. Desde que despontou para o estrelato, com apenas 19 anos, enfrentou problemas com a polícia, romances frustrados e um casamento malsucedido com o assistente de vídeo Blake Fielder-Civil. Marcado por brigas públicas, o relacionamento acabou depois que o rapaz passou uma temporada de um ano na prisão, condenado por agredir o dono de um pub de Londres.
Nascida em Southgate, um bairro de classe média na região norte da capital britânica, Amy tem uma personalidade complexa. Com a mesma facilidade com que xinga e pragueja, dá-se a arroubos de simpatia e generosidade. Foi o que aconteceu em junho do ano passado durante um show do guitarrista carioca Rodrigo Lampreia em um pub londrino. Sem nunca tê-lo visto antes, ela aceitou seu convite para subir ao palco do Jazz After Dark e dar uma canja. Um tanto quanto tocada pelo álcool, cantarolou uma versão ininteligível de Garota de Ipanema. “Ela foi muito amável e se comportou sem nenhum estrelismo”, disse Lampreia na ocasião. Quando está sóbria, Amy se dedica a algumas boas causas, como a apresentação beneficente que realizou no bar Hawley Arms, em Londres, três meses atrás. O show marcou sua volta depois de passar meses afastada dos palcos e teve renda revertida a uma entidade que usa a música como terapia para portadores de doenças graves. Ela mostrou ali que estava em plena forma para a temporada no Brasil (a ver, a ver…) e bebeu uma única taça de sidra. “A Amy é uma espécie de versão feminina do Keith Richards”, acredita a estudante de moda Gabriela Milman, 21 anos, sua tietíssima há cinco e admiradora do guitarrista dos Rolling Stones. “O importante não é se ela é um bom ou mau exemplo, mas sim seu talento e seu estilo inconfundível, surpreendente.”
No panteão da música pop, existe uma pequena categoria de ídolos capazes não só de hipnotizar multidões com suas performances como de lançar tendências de moda e comportamento. É o caso de figuras estelares como Elvis Presley e Michael Jackson. Há críticos que incluem Amy Winehouse nesse grupo. Com sua poderosa voz de contralto, ela é admiradora de monstros sagrados do jazz como Ray Charles, Sarah Vaughan e Duke Ellington. O visual – cabelão incluído – foi copiado de grupos femininos da black music americana dos anos 60. Também tem como fonte de influência o hip-hop nova-iorquino e o reggae jamaicano. As letras de suas canções têm um estilo confessional e narram desventuras amorosas. “Ela se parece com um personagem literário. Eterna convalescente, é como uma criança que vive o momento intensamente”, escreveu a atriz Malu Mader em um artigo sobre a cantora na edição de janeiro da revista LOLA.
Copiado por garotas de todo o mundo, o look Amy é um sucesso. O estilista Karl Lagerfeld, ex-comandante da Chanel, chegou a adotá-la como musa. Em um desfile realizado em Londres, há três anos, lotou a passarela com modelos vestidas e penteadas à moda da cantora. Entusiasmado, comparou seu visual ao de Brigitte Bardot no fim dos anos 50. A relações-públicas carioca Amanda Dantas, 27 anos, incorporou essa mesma estética ao dia a dia. Tatuou no braço uma ferradura e aprendeu sinuca, o jogo favorito de sua inspiradora. Fanática, vai assistir às duas apresentações na HSBC Arena, em Jacarepaguá. A universitária Letícia Gabbay, 22 anos, encarnou de tal forma o personagem que chegou a fazer um bico como sósia em uma comemoração de aniversário no Museu de Arte Moderna. “Uns amigos que conheciam minha paixão por ela sugeriram que eu fosse vestida de Amy. Foi muito divertido”, conta. Com o faro de marketing de quem está ganhando 1 milhão de dólares atrás de 1 milhão de dólares (seu cachê estimado de cada show brasileiro), a cantora aprendeu a lucrar com a personagem que criou. Em outubro, o estilista inglês Fred Perry, dono da grife homônima, lançou uma linha especial assinada por ela. No entanto, como tudo em que a moça se mete, a parceria por pouco não acabou em confusão. Franzina, ela usa um manequim dos sonhos (34) enquanto a grife, realista, só trabalha com modelagens acima de 36. Pouco antes do lançamento, Amy exigiu que a marca fizesse tamanhos menores, sob risco de abandonar o projeto. Seu argumento seguia um raciocínio cristalino: não havia sentido em lançar roupas que ela mesma não pudesse vestir. Mesmo contrariado, Perry recuou e adotou a nova numeração.
A série de shows que realiza no Brasil é uma chance de ouro para Amy Winehouse. Depois de quatro anos marcados por vexames nos palcos (veja o quadro na pág. ao lado) e um retrospecto de canos e atrasos comparáveis aos do falecido Tim Maia, ela tem finalmente a chance de mostrar que é capaz de dar a volta por cima. A cantora vem se preparando como havia muito tempo não fazia. Em dezembro, curtiu férias em Barbados, no Caribe, onde foi vista saindo de uma academia de ginástica. Antes de embarcar, fez oito ensaios com os músicos que a acompanham no país, entre eles os performáticos irmãos que atuam nos backing vocals, Heshima e Zalon Thompson. O último compromisso profissional antes desta turnê foi um evento corporativo em Moscou, que foi bancado por um bilionário russo e lhe rendeu 1,5 milhão de dólares. Em declaração ao jornal sensacionalista inglês The Sun, um dos profissionais ligados à produção ficou surpreendido com seu desempenho: “Ela está determinada a entrar para a história como uma artista de alto nível e não como alguém que arruinou seu talento espetacular por causa das drogas. A longa estrada de volta começou”. Usando um vestido amarelo com bolinhas pretas, ela passeou ao longo de quarenta minutos por sucessos da carreira que eram sorteados pelo ricaço e se mostrou tímida em certos momentos. Ainda assim, há quem veja algum risco nas apresentações brasileiras ? apenas no Rio, 20?000 ingressos foram colocados à venda com preços entre 200 e 700 reais. “Estou confiante em que verei um grande show, mas se der tudo errado eu guardo o ingresso com orgulho. Com certeza se tornará uma relíquia”, diz a estudante de moda Rebeca Souza, que vai à apresentação de segunda-feira.
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Pedidos inusuais são comuns entre as estrelas internacionais, mas ao chegar no Rio na quarta-feira, dia 5, a cantora surpreendeu a produção local. Assim que desembarcou, pediu que fosse providenciada uma espécie de academia particular no Hotel Santa Teresa, na região central da cidade. A mensagem era clara: ela está preocupada com sua saúde e sua performance no palco. Como ninguém é de ferro, o serviço de bar nos camarins dos espetáculos ? composto de quatro garrafas de vinho Bordeaux, vodca russa, cerveja mexicana e champanhe francês ? segue firme. De bom humor, ela encantou-se com a paisagem carioca ? observada com o auxílio de uma luneta instalada na suíte de 180 metros quadrados ? e saiu à sacada para exibir-se aos fotógrafos. Amy manterá na cidade sua base brasileira, deslocando-se no jato particular que a trouxe da Europa para Florianópolis, Recife e São Paulo, capitais onde se apresentará. Como toda turista de primeira viagem, pretende conhecer a região da Lapa, no Centro, as praias e ilhas de Angra dos Reis. Os músicos estão otimistas com a temporada nos trópicos. Na véspera da chegada, o cantor Heshima Thompson publicou no Twitter uma foto da cantora ensaiando e a seguinte mensagem: “Amy Winehouse no ensaio de hoje. Sua voz soava maravilhosa. Mal posso esperar pelo Brasil”. Os fãs também.