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Os campeões de vendas

Com o mercado imobiliário em ebulição, os supercorretores cariocas vendem dezenas de casas, apartamentos e salas comerciais, faturando comissões que chegam a ultrapassar 100 000 reais por mês

Por Sofia Cerqueira
Atualizado em 5 jun 2017, 14h55 - Publicado em 22 jul 2011, 16h07
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  • A história de Luciana Oliveira, 33 anos, poderia servir de roteiro para um conto de fadas moderno. Há cinco anos, a vendedora, nascida em Campinas, interior de São Paulo, desembarcou no Rio com suas parcas economias e um sonho modesto: ganhar o suficiente para sobreviver e, quem sabe, ter um dinheirinho para se divertir por aqui. Sem curso superior nem currículo vistoso, Luciana prosperou. Hoje, é conhecida como Lucia-na Galisteu entre seus colegas de profissão, uma referência à modelo e apresentadora Adriane Galisteu. O apelido nasceu de uma brincadeira, devido à semelhança da moça com a ex-namorada do piloto Ayrton Senna, mas poderia ter sido inspirado também na trajetória de ambas. Assim como a loira de origem modesta que galgou os degraus do estrelato, Luciana é um exemplo de sucesso inquestionável ? profissional e financeiro. O exíguo apartamento que alugava no Recreio dos Ban-deirantes quando chegou faz parte do passado. Em agosto, ela se muda para uma casa de dois andares e quatro quartos em um condomínio no mesmo bairro. Além da propriedade, fazem parte de seu patrimônio três apartamentos de três quartos cada um, na Barra da Tijuca. Na garagem, estaciona seu possante BMW série 1-120d, que vale cerca de 110?000 reais. “Costumo dizer que o sucesso é a combinação de oportunidade e trabalho duro. Pelo menos comigo foi assim”, afirma Luciana.

    Descendente direta de uma conjuntura econômica bastante específica, Luciana faz parte de uma categoria profissional que tem se destacado no Rio: a dos supercorretores de imóveis. Ases na venda de apartamentos, casas e escritórios em um mercado tremendamente aquecido, os integrantes dessa turma chegam a ganhar 120?000 reais mensais apenas com o porcentual sobre os negócios que fecham. Funcionária da Lopes, uma das três maiores imobiliárias da cidade, Luciana vendeu, em junho, onze imóveis, em um total de 5,2 milhões de reais. Apenas em comissões, recebeu mais de 50?000 reais ? rendimento comparável ao salário de um diretor financeiro de grande empresa. É bom deixar claro que Luciana faz parte da elite em um ofício que reúne 35?608 profissionais no estado, cujo rendimento médio gira em torno de 5?000 reais. A fartura das comissões é explicada por dedicação, bons contatos, tino comercial e uma dose de sorte, mas também pelo aquecimento do mercado.

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    No Brasil inteiro, as vendas de imóveis explodiram. Uma conjunção de fatores, como estabilidade econômica, aumento de poder aquisitivo e abundância de crédito, contribuiu para isso. No Rio, há ingredientes extras. A cidade vive um momento peculiar com a perspectiva de grandes reformas urbanas até a Olimpíada de 2016, além da chegada de inúmeras empresas do setor petrolífero. São fatores com impacto direto na demanda e na valorização dos imóveis. Entre julho de 2009 e junho de 2011, o preço do metro quadrado subiu em média 88%, segundo o Sindicato da Habitação (Secovi-Rio). A construção civil também está em franca expansão. No ano passado foram lançadas 19?976 unidades, mais que o dobro do registrado em 2006. “Tudo o que se lança no Rio se vende, às vezes em horas”, diz José Conde Caldas, presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi).

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    Em meio a tamanha efervescência, vendedores com faro de perdigueiro só tendem a prosperar. Pelas regras da corretagem, as comissões sobre as vendas vão de 0,9% a 1,7%, mas podem chegar a 3,3%. É a imobiliária ou o incorporador responsável pelo lançamento que fixa os ganhos. Em casos em que se deseja acelerar as vendas, costuma ser dada uma comissão mais elevada. O mesmo acontece com imóveis encalhados. Também é comum as construtoras acenarem com prêmios, como automóveis, aparelhos eletrônicos e viagens internacionais. O administrador de empresas Ronaldo Guelmann, 40 anos, corretor da Seller, imobiliária ligada à construtora RJZ/Cyrela, ganhou uma para Las Vegas, nos Estados Unidos. Criado na Zona Sul, ex-aluno da Escola Americana, ele chegou a ter uma loja de automóveis. Há cinco meses debutou como corretor, e desde então negociou 12 milhões de reais em imóveis, meta estipulada pela empresa para o ano inteiro. Só no último mês, Guelmann vendeu 25 salas comerciais no shopping Nova América, além de seis imóveis na Barra. Seu desempenho foi compensado com uma remuneração de 110?000 reais. “Acredito que o ramo imobiliário é o melhor para trabalhar hoje”, afirma. “Mas é preciso se esforçar muito. Ser o primeiro a chegar, o último a sair e não desistir nunca de uma transação.”

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    Em certa medida, o perfil de um supercorretor é semelhante ao de um predador solitário. Ele monta sua própria rede de contatos e identifica potenciais compradores. Para isso, não poupa telefonemas nem e-mails, que podem chegar à casa das centenas todos os dias. Imprime folhetos e cartões por conta própria e ronda insistentemente por regiões onde brotarão novos empreendimentos. A divulgação de imóveis em redes sociais, como Facebook e Twitter, também rende bons frutos. Estima-se que hoje em dia 30% das vendas começam na internet. “Somos essencialmente perseverantes. Para cada sim, há pelo menos 100 nãos”, conta Vanessa Rickert, 35 anos, corretora número 1 da Basimóvel. Há quatro anos no segmento, ex-vendedora de uma loja de kits de gás para veículos, ela não tem do que reclamar. Ganha, em média, 30?000 reais por mês. Mas há meses bem melhores. Em dezembro, tirou 120?000 reais. “Se o bom corretor souber administrar seus ganhos, em poucos anos organiza a vida”, calcula.

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    Com perspectivas de comissões tão altas, é natural que a profissão seja concorrida. A expectativa é que 4?000 pessoas tirem neste ano o registro do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci) ? 1?000 a mais do que em 2010. Para conseguir essa credencial, exige-se no mínimo o 2º grau. É preciso fazer um curso que engloba português, matemática e noções de economia e, dependendo do empenho do candidato, dura de dois a oito meses. “O corretor tem de conhecer bem o produto, mas também precisa saber falar de conjuntura econômica, por exemplo”, conta Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel, a maior imobiliária do Rio, com uma equipe de 1?380 pessoas. Nesse mercado, não há carteira assinada, cada profissional usa o próprio carro e boa aparência conta pontos. No caso das mulheres, isso significa maquiagem e roupas discretas. “Um decote mais ousado pode ser mal interpretado por uma esposa, que é quem normalmente decide a compra de um imóvel”, explica Valéria Melo, 51 anos. Há quatro anos, ela trocou a carreira de professora de educação física e um salário de 3?500 por mês pela corretagem. Hoje, embora não tenha salário fixo, está satisfeita. Em um mês pode não ganhar nada, mas em outro tem a chance de dar uma “pancada”, como se diz no setor quando se realiza uma venda extraordinária. Foi o que aconteceu em abril, quando ela negociou um prédio comercial inteiro, na Barra, por 70 milhões de reais. Com a comissão, que ela não revela, Valéria pretende investir em vários imóveis.

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    O perfil dos corretores vem mudando nos últimos anos. Atualmente, é grande o número de profissionais que migraram para o ramo. Tornou-se comum encontrar advogados, psicólogos, contadores e até professores com doutorado trabalhando em imobiliárias. “Ganho muito mais do que muita gente da minha área”, atesta o administrador de empresas Gustavo Stankiewicz Machado, 29 anos, que há oito entrou para esse mercado, na época em que ainda era estudante. Ele se transformou em um dos supercorretores da Júlio Bogoricin e embolsa, no mínimo, 20?000 reais por mês. Em períodos de fartura, como aconteceu em março passado, quando negociou três imóveis de alto luxo, chega a receber o triplo desse valor. Gustavo trabalha na loja do Leblon, um dos bairros mais cobiçados da cidade. Ali a venda de um apartamento de um quarto, ao preço de 700?000 reais, rende uma comissão de 6?300 reais. “Já comprei minha residência na Barra e tenho condições de trocar de carro todo ano”, diz. Embora o mercado da corretagem viva um momento esplêndido, ser um campeão de vendas não é para qualquer um. A maioria dos corretores bem-sucedidos trabalha pelo menos doze horas por dia. Sem falar nos fins de semana de plantão. Os celulares ? no mínimo dois ? estão invariavelmente ligados. “Não adianta achar que vai ganhar muito dinheiro fazendo da profissão um bico. É preciso empenho”, comenta Érico Pereira Filho, 47 anos, que já trabalhou no antigo Banco Real, foi dono de importadora de vinhos e diretor financeiro do Flamengo. Há um ano ele vende imóveis ? neste mês deve amealhar 50?000 reais com a negociação de uma única casa. Não é preciso nem dizer quanto ele está satisfeito com o novo ofício.

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