E quando o mundo parou tudo ficou mais horizontal. Sem se mover, estamos mais próximos. A perspectiva da separação nos une automaticamente. Nos coloca de frente para a uma realidade que é de todos, sem distinção. E possibilita enxergar com mais clareza as pessoas, a importância do que fazem, ou faziam, cotidianamente, uma a uma, num todo. As ruas vazias sem nada acontecer. O silêncio gritante. A natureza respirando sem ninguém.
Dentro de casa, e de cada pessoa, um universo. De valores, necessidades, questionamentos, vontades, desejos. Com a sombra da incerteza do que virá. Mas por um período – indeterminado – estamos estáticos, como num jogo de Stop. E isso é bonito em um mundo tão desigual. Claro que as realidades seguem em curvas sinuosas, mas elas levam a um lugar comum: a essência. Ao que importa de verdade. A respirar, a respiradores. Muitas vezes nos atropelamos em nós mesmos e nos próximos. Corremos feito loucos pra chegar num lugar não sabe onde, desafiando o tempo. Que é relativo! Estamos diante de uma nova dimensão: de dentro pra fora e não ao contrário.
Dá a impressão de que o mundo cansou de tanto movimento, em que todo mundo se cruza sem parar e ninguém se enxerga direito. Multidões de ninguém. Esbarrões em quem? E daí surge o tempo, revirando tudo. Te fazendo olhar mais pausadamente para o redor, para o próximo, que está do seu lado, e você não viu. Como diz a canção “Relicário” de Nando Reis: “O mundo está ao contrário e ninguém reparou”.
Essa guerra contra o novo coronavírus coloca o mundo em cheque. Diante de tantas mortes, diante do risco iminente, diante do medo, das preocupações, dos cuidados com nós mesmos e com os outros, estamos em contato direto com o humanismo. E mesmo que a gente ainda não saiba, já não somos mais os mesmos.
Estamos reaprendendo sobre tudo. A fazer o que não fazíamos, a fazer o que já fazíamos em grande proporção, a não fazer o que fazíamos. Sendo mais de nós mesmos, menos de nós mesmos. Tudo isso deve gerar uma tremenda revolução interna e nos tornar mais fortes, mais humanistas, mais solidários. Ninguém vive uma guerra impunemente. Um novo horizonte está se formando, em meio a um processo de erupção. Que a tormenta passe o mais breve possível, mas que a gente saiba extrair as lições. O horizonte que irá se formar depois certamente terá outras cores.
Alice Granato é jornalista, autora e editora de livros.