Um dos atletas brasileiros mais disputados para campanhas de publicidade, sempre sob os holofotes da mídia, diversas vezes campeão em alguns dos campeonatos mais concorridos, o jovem Gabriel Medina precisou parar. Aos 28 anos, o surfista anunciou que não irá participar das próximas competições para cuidar de sua saúde mental.
Ao comunicar a pausa na carreira, ele disse estar esgotado e revelou ter enfrentado uma “montanha russa de emoções dentro e fora da águas”. Nos últimos meses, o surfista se viu envolvido em brigas familiares, casamento e divórcio. Não seria fácil para ninguém. Quanto mais para um atleta de alto rendimento, que tem que dar conta de se manter no topo do ranking dos campeonatos de surf.
A iniciativa de Medina acompanha um movimento cada vez mais frequente dos esportistas de respeitar os limites da saúde mental. Em 2021, a tenista Naomi Osaka e a ginasta Simone Biles também vieram à público revelar que enfrentam problemas de saúde mental – Biles não voltou a competir até hoje, sete meses depois das Olimpíadas de Tóquio.
A decisão de Gabriel Medina nos lembra que um atleta completo é aquele com habilidade física, mas também preparo mental. A ansiedade antes de campeonatos e a tristeza depois de uma eventual derrota são normais. No entanto, podem evoluir para sintomas ansiosos e depressivos mais acentuados, que causam prejuízo no rendimento como um todo. Se uma pessoa chega ao ponto de abrir mão de algo para o qual se dedicou desde criança, acende-se a luz amarela: é bem possível que alguma coisa esteja errada.
Apontado como um dos favoritos ao Oscar deste ano em várias categorias, o filme “King Richard – Criando Campeãs” (HBO), mostra a preocupação do pai em educar as filhas Serena e Venus Williams para as quadras, mas também para o mundo. Não bastava elas serem grandes tenistas, era preciso ir bem na escola, aprender idiomas, ter vida social. Apenas assim elas se tornariam as grandes campeãs que ele almejava desde que as meninas eram crianças. O filme retrata que a estratégia de Richard se mostrou frutífera e ambas são duas das maiores atletas de todos os tempos no tênis.
O afastamento temporário de Gabriel Medina para tratar sua saúde mental é um enorme gesto de coragem. Em um mundo que cobra performance e mede as pessoas pela resiliência, expor fragilidade em público é louvável. Talvez seja justamente este o maior legado do gesto de Medina: se com toda a estrutura que tem a seu dispor ele não aguentou o estresse, imagine o resto dos “mortais”. A saída de cena do medalhista olímpico Gabriel Medina nos aproxima do ser humano Gabriel Medina, com suas alegrias e vitórias, mas também imperfeições e dificuldades. Como eu e você.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.