“Dona Benta” é coisa do passado: as avós de hoje querem namorar e transar
Envelhecer não significa mais abrir mão da vida amorosa e sexual, como representava até pouco tempo
Para quem tem mais de 40 anos, a imagem é um clássico: as avós de cabelo branco, coque na cabeça, costurando na cadeira de balanço, usando roupas comportadas, “como seria de se esperar” de senhoras, no melhor estilo Dona Benta – personagem do “Sítio do Pica Pau Amarelo”, eternizada na TV pela imagem da atriz Zilka Salaberry. Já os avôs, usavam boina e bengala, a caminho das partidas de gamão na pracinha mais perto de casa. Frequentemente viúvos, passavam a viver para a família, filhos e netos, abdicando de qualquer possibilidade de novos casamentos – vida sexual, então, nem se fala.
Tudo isso é coisa do passado. Em 2023, ter mais de 60 anos significa ainda ter (quase) todas as possibilidades pela frente. E prescindir do amor e do sexo, definitivamente, não está nos planos do que se convencionou chamar de “terceira idade”. O fato é que com o aumento da longevidade da população, todos os clichês que cercam os mais velhos foram, se não adiados, postergados. E muito dessa liberdade pode ser creditada à liberdade oferecida pela tecnologia.
No Brasil, cada vez mais idosos estão buscando sites e aplicativos de relacionamento. Um deles, o Coroa Metade, voltado especificamente para o público mais velho, tem nada menos do que 800 mil usuários cadastrados, dos quais 250 mil ativos. A interação online já resultou em mais de 250 casamentos. No famoso aplicativo Happn, usuários com mais de 60 anos já trocaram mais de 4 milhões de likes.
Há algumas semanas, o grande produtor musical e letrista Nelson Motta, 79 anos, que já viveu cinco casamentos, incluindo Marília Pêra e Elis Regina, revelou estar mais uma vez apaixonado e vivendo uma nova história amorosa, com a jornalista e influenciadora digital Pati Pontalti. William Bonner, editor e apresentador do programa de maior audiência da televisão brasileira, postou nesta semana que chegou aos 60 anos – a idade não foi um impeditivo para que se casasse de novo há pouco tempo. O que até algum tempo atrás poderia causar algum escândalo, hoje não faz nem marola.
Se os homens sempre contaram com maior condescendência da sociedade patriarcal para viverem o amor e o sexo na plenitude, a revisão histórica proporcionada pelo feminismo tem oferecido às mulheres a possibilidade de se entregarem aos prazeres dando de ombros às amarras sociais e até mesmo biológicas, como a menopausa.
Especialista no estudo do sexo na terceira idade, a antropóloga, pesquisadora e escritora Miriam Goldenberg é categórica em seu novo livro “A arte de gozar: amor, sexo e tesão na maturidade” (Editora Record): “Dá para envelhecer gozando a maturidade”, afirma ela.
Temos o privilégio de viver em uma época em que, finalmente, se enxerga a beleza da velhice (e na velhice). Ou alguém vai ousar questionar a beleza, o vigor e a capacidade intelectual e profissional de pessoas como Maitê Proença (65 anos), Lilia Cabral (66), Antonio Fagundes (74), Marieta Severo (77), Gilberto Gil (81), Caetano Veloso (81), Chico Buarque (79), Maria Bethânia (77), Renata Sorrah (76), Arlete Salles (85) e Fernanda Montenegro (94)?
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.