O mundo foi tomado por uma comoção depois da divulgação da notícia que Matthew Perry havia sido encontrado morto, no final de outubro, nos Estados Unidos. Intérprete do personagem Chandler na série “Friends”, Matthew fazia parte da memória afetiva de diversas gerações. O ator morreu no fim de outubro, na banheira de hidromassagem de sua casa. Usuário de drogas por muitos anos – foram 15 internações apenas para reabilitação contra o uso abusivo de álcool –, o ator nunca escondeu sua condição de adicto e, depois de sua morte, ficou a dúvida se ela estaria relacionada ao uso abusivo de alguma substância. A dúvida acaba de ser sanada. Os exames toxicológicos no corpo do ator apontaram “efeitos agudos” da quetamina (ou cetamina) como razão da morte. A substância é um anestésico que pode ser ministrado em seres humanos ou animais, utilizado em procedimentos cirúrgicos. É importante esclarecer que a quetamina é uma medicação segura e eficaz para uso médico, como em casos de depressão, mediante a supervisão de um especialista. No entanto, a quetamina também é consumida, equivocadamente, com finalidade recreativa, causando uma série de reações, como alucinações, entorpecimentos, dificuldade com movimentos, distorções na percepção de tempo e de identidade.
Os resultados dos exames toxicológicos concluíram que além de traços de uso de quetamina em excesso ou de forma equivocada, também havia a presença de buprenorfina, usada como tratamento para abstinência de opióides, como um fator que pode ter contribuído na morte. Apesar de não estar diretamente ligado à sua morte, o relatório indica ainda que o ator fumava dois maços de cigarro por dia, sofria de Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), enfisema e diabetes.
Considerada pela polícia como “acidental” – em decorrência de como a morte se deu – a fatalidade também envolve o afogamento e doença arterial coronariana. Os exames não apontaram nenhum outro vestígio de drogas, como álcool, metanfetamina, cocaína, heroína ou fentanil.
Em seu livro autobiográfico “Amigos, Amores e Aquela Coisa Terrível: As memórias do astro de Friends”, publicado em 2022, Matthew Perry descreve momentos surpreendentes, tanto da sua vida pessoal quanto profissional. O ator passou por 14 cirurgias no estômago e chegou a tomar 55 comprimidos ao dia para aplacar a dor.
Segundo estudo da Unicamp/Fapesp, a cetamina era a quarta droga mais consumida no Brasil em festivais de musica eletrônica antes da pandemia, ficando a frente do LSD e da cocaína. De acordo com a pesquisa Datafolha, de 2023, cerca de 10% da população brasileira já fez uso de psicodélicos, sendo que 2% já experimentaram a cetamina. Os números aumentam ano a ano.
Em 2020, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o uso de cetamina como medicamento em spray nasal de ação rápida e eficaz, até mesmo para tratar quadros depressivos refratários – além do já legalizado uso como anestésico. A causa da morte do ator Matthew Perry, confirmada agora pelos exames toxicológicos, serve de alerta para quem acredita que não há efeitos colaterais e que essas substâncias podem ser usadas indiscriminadamente, sem supervisão médica.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.