Com a honestidade que lhe é característica, Susana Vieira deu uma emocionante entrevista ao “Fantástico”, há poucas semanas, sobre suas oito décadas de vida. Em conversa com Poliana Abritta, a atriz repassou seus trabalhos na televisão, falou de família, saúde, envelhecimento e… sexo. Sem os pudores que costumam cercar o tema entre pessoas mais velhas, Susana foi objetiva. “Eu não desisti do sexo. Aos 80 anos, vejo com felicidade que eu não esqueci de homem, que eu não esqueci do sexo. Não é casamento, não preciso de casamento. Mas eu consigo ver que tenho interesse por sexo, por um abraço, por um beijo na boca. Eu ainda me desejo e imagino que alguém ainda possa me desejar. Não posso tirar isso da minha cabeça, porque isso seria matar a essência da Susana Vieira”, revelou.
A franqueza de Susana encontra eco nas salas de cinema. Legiões de mulheres tem lotado as sessões do filme inglês “Boa sorte, Leo Grande”. Na obra, Emma Thompson interpreta uma professora de religião de quase 70 anos (a atriz tem 63 anos), viúva aposentada, que contrata um jovem garoto de programa, o Leo Grande que dá nome ao título, para curtir uma noite de prazer e auto-descoberta depois de uma vida sem-graça de casada. O filme surpreende pela delicadeza, humor e sensibilidade com que aborda temas como solidão, envelhecimento, culto ao corpo e à juventude, além de, claro!, sexo.
Por décadas, o corpo da mulher mais velha era algo a ser escondido. Socialmente, era relegado a elas o papel da vovó de coque nos cabelos brancos, fazendo tricô na cadeira de balanço. As campanhas de marketing – e depois as redes sociais – estabeleceram um paradigma de que o belo está associado à juventude. Marcas de roupa e de produtos de beleza, até mesmo os voltados para a terceira idade, usavam como garotas-propagandas mulheres jovens.
Neste contexto, qual seria o lugar do desejo sexual na vida de uma mulher madura? É como se houvesse uma imposição velada de que a última fronteira da vida sexual da mulher estivesse atrelada à menopausa. E o pior: muitas chegam a esta fase da vida sem terem conhecido o orgasmo – razão pela qual a personagem de Emma Thompson contrata o garoto de programa. Não é coisa de filme: segundo a psiquiatra Carmita Abdo, uma das maiores pesquisadoras sobre sexualidade no Brasil, um terço das mulheres brasileiras também nunca tiveram um orgasmo.
Mas se a vida sexual dos homens passou a ser prolongada com o surgimento da famosa “pílula azul”, a da mulher também não fica atrás com o auxílio de infindáveis tratamentos de reposição hormonal, cremes e tratamentos a laser. Carmita é categórica ao afirmar que há idosos com vida sexual muito mais ativa e saudável do que os jovens. “Um dos mitos na sociedade moderna é que os mais velhos não têm vida sexual ou acham que ela é precária. Idosos levam a vantagem de saber desfrutar de mais intimidade, convivência e cumplicidade, elementos importantíssimos para a conquista da atividade sexual com satisfação”, afirmou ela em entrevista recente, por conta do lançamento de seu novo livro “Sexo no cotidiano”.
Postura de pessoas como Susana Vieira é que vem mudando a percepção do que é ser uma mulher mais velha. A luta do feminismo aliada à conscientização contra o etarismo tem proporcionado um novo lugar a elas: é possível envelhecer sem ser obrigada a se tornar uma “outra pessoa”.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.