Levantamento da entidade que representa os quase nove mil cartórios de notas do Brasil concluiu que a quantidade de pessoas que se divorciaram em 2021 foi recorde desde o início da medição, em 2007. Segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB), 80.573 casais se separaram, três mil a mais que em 2020. Em contrapartida, o número de novas uniões nunca foi tão baixo. Segundo o IBGE, a queda foi de 21,6%.
Afinal, o que levou tantos brasileiros a desistirem dos seus casamentos? Em primeiro lugar, é preciso apontar a praticidade do processo; com o surgimento da pandemia de Covid-19, as separações puderam ser realizadas virtualmente. Se o tour de force para encarar a burocracia era uma barreira, ela foi por água abaixo com o comodismo da internet, sem deslocamentos ou filas.
Mas indo além na interpretação das estatísticas, é possível especular algumas razões comportamentais para esse recorde. A pandemia foi uma experiência radical. O longo isolamento social obrigatório acabou aflorando os ânimos. As redes sociais se tornaram uma praça pública de queixas sobre os afazeres de casa, o home office, os filhos e os casamentos. Todos foram forçados a um convívio excepcionalmente intenso – talvez intenso demais para alguns casais.
As preocupações, dificuldades econômicas, perdas de parentes e amigos acabaram por enterrar o tesão. O sexo, que para muitos casais já não era frequente e de qualidade, rareou e sucumbiu às pressões do momento.
O radicalismo dos meses de pandemia também fez muita gente reavaliar a vida. As imagens repetidas ad nauseamnos telejornais de pacientes entubados e de filas de caixões explicitaram a finitude da nossa existência. Foi o suficiente para alguns trocarem de cidade, em busca de uma vida mais calma e espaçosa. Outros decidiram aproveitar o baque forçado e realizaram o sonho de mudar de profissão. Nesse embalo – e não podia ser diferente – também houve aqueles que reavaliaram suas uniões.
Agora, passada a fase crítica da pandemia, começamos a ver outro movimento: os divórcios pós-pandemia. São aqueles casais que se tornaram mais próximos durante o ápice da crise e cruzaram juntos esse momento, mas na volta à vida normal e à rotina, se desencontraram.
A pandemia acelerou processos, encerrou ciclos, autorizou que as pessoas se entregassem ao desconhecido. Agora é hora de se entregar à plenitude da “nova vida” escolhida. Como escreveu Chico Buarque, “amores serão sempre amáveis”. Que o estado civil dos novos solteiros da praça traga inspiradoras possibilidades de felicidade.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.