Talvez encorajado pelo Carnaval que, apesar de cancelado, foi farto em blocos clandestinos – apesar de não aumentarem os casos de Covid-19 –, o Rio é a primeira capital do Brasil a abolir a obrigatoriedade do uso de máscaras. A decisão é válida até mesmo em locais fechados, como transportes públicos, academias e salas de aula. Os especialistas recomendam apenas que os grupos de risco e portadores de comorbidades graves continuem a usá-las. A resolução pegou de surpresa boa parte da população. Já é hora de abrir mão da proteção das máscaras? Não seria uma medida precipitada demais? As opiniões se dividiram entre excesso de otimismo e falta de zelo.
Antes de mais nada, convém lembrar que a Prefeitura do Rio de Janeiro é orientada por um comitê científico, que toma suas decisões baseadas em dados. Portanto, é possível assumir que tal grupo tem informações suficientes que referendem a iniciativa. Além disso, o Rio tem hoje quase 80% da população vacinada, número bastante significativo para a prevenção da doença – de acordo com a Secretaria de Saúde, em três semanas cerca de 70% da população estará com a dose de reforço no braço.
Sem dúvida, são estatísticas animadoras. Porém, o Rio acaba de sair de um Carnaval cheio de aglomerações e, daqui a pouco mais de um mês, sediará um segundo Carnaval. Cancelado em janeiro e adiado para abril, a festa irá atrair novamente os blocos para a rua – agora autorizados – além de milhares de pessoas no Sambódromo, com o ir e vir de turistas. Toda essa gente irá circular pela cidade desprovida de qualquer proteção facial. A pergunta que muita gente está se fazendo é: custava esperar mais um pouco?
Tão logo a pandemia de coronavirus surgiu, no começo de 2020, quando as vacinas sequer eram mencionadas, as autoridades sanitárias se mobilizaram em um enorme esforço de conscientização sobre a relevância das máscaras. Foi preciso um certo tempo para que os brasileiros deixassem o ceticismo ou a vergonha de lado e aceitassem as máscaras como uma realidade necessária e devidamente incorporada à rotina dos cariocas. E, com o passar dos meses, elas passaram a oferecer a sensação confortável de segurança diante da ameaça de uma doença imperceptível aos olhos. Agora, quando finalmente elas se tornaram um objeto bem aceito no dia a dia, as autoridades as dispensam de forma tão abrupta? A liberação não deveria ser mais gradativa?
Os especialistas racharam. Enquanto alguns apoiam a medida, outros temem pelas crianças sem a vacinação completa e pelos idosos, cuja proteção da dose de reforço já está expirando. Jornais e emissoras de televisão relatam que a população optou por se manter protegida pelas máscaras nas ruas, no metrô e nos trens nos primeiros dias após a decisão da Prefeitura. Será que as pessoas ainda estão assustadas com a doença? Ou são mais responsáveis que as autoridades? Só o tempo dirá.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.