O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, que foi apresentado recentemente, apresenta índices alarmantes de violência. Mas em meio há tanta informação, uma chama a atenção pela dor silenciosa: o suicídio entre policiais civis e militares cresceu impressionantes 55% entre 2020 e 2021. A Polícia Militar foi a que mais registrou casos no período, passando de 52 para 80, um aumento da ordem de 54%. Na Polícia Civil, o crescimento percentual foi ainda mais significativo: 61,5%, de 13 para 21 suicídios em número absoluto.
O número de suicídios pode ser ainda maior, diante da falta de dados de alguns estados brasileiros. Oficialmente, a unidade da federação que registrou maior número de agentes que tiraram a própria vida em 2021 é São Paulo: foram oito civis e 16 militares. Aqui no Rio de Janeiro chegamos a 15 suicídios entre policiais (13 militares e 2 civis).
Sim, a polícia brasileira está entre a que mais mata no mundo, mas também está entre as que trabalham sob condições mais adversas, arriscadas e cruéis. A pesquisa do Anuário comprova que os policiais militares e civis são um elo psicologicamente tão fraco quanto os demais personagens nessa luta insana do Brasil contra a violência.
A profissão está intimamente ligada à ideia de resistir a qualquer custo a todo tipo de pressão: salários baixos, carga horária pesada, poucas horas livres com familiares e amigos, complementação da renda com bicos e imagem pejorativa e negativa diante da opinião pública. Portanto, para além de terem que lidar com tudo isso, ainda precisam conviver com a ideia de que policias são aqueles que dão a vida pelo seu ofício: a iminência da morte é uma realidade. São muitos os gatilhos de ansiedade ou de depressão que podem levar um policial ao suicídio. A simples ideia de pedir ajuda diante de uma dificuldade psicológica soa contraditória demais, como um gesto de fraqueza.
Como bem mostrou o cineasta João Moreira Salles no antológico documentário “Notícias de uma guerra particular”, o trabalho da polícia torna-se um exaustivo “enxugar gelo” na tentativa de manter a ordem em meio ao caos.
Há quem insista em acreditar no mito de que o Brasil nunca viveu uma Guerra Civil. É mentira. Da dizimação dos povos originários quando da chegada dos portugueses, passando pelas revoluções do século XIX, como a Farroupilha, a Balaiada e a Sabinada, nossa História é marcada pela truculência. A atual violência a que somos obrigados a conviver nas grandes cidades, não é nada diferente do quadro de Guerra Civil de outros momentos, essencialmente fruto da pobreza e da desigualdade.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.