Analice Gigliotti

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Comportamento
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Usuário de vape de 19 anos: “o equivalente a 60 cigarros por 30 anos”

Danos ao pulmão, em tão pouco tempo, chamam atenção aos malefícios silenciosos dos cigarros eletrônicos

Por Analice Gigliotti
17 abr 2023, 14h50
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  • A notícia da internação de um jovem americano, aos 19 anos, na semana passada, causou choque e comoção em todo o mundo. Segundo a mídia dos Estados Unidos, o adolescente precisou de socorro hospitalar depois que seu pulmão sofreu nada menos que uma sequência de quatro colapsos – quando o ar fica preso entre o pulmão e o peito. De acordo com a junta médica, o problema ocorreu em consequência do alto consumo de cigarro eletrônico, também conhecido como vape.

    O paciente começou a ter contato com o vape aos 13 anos, se tornando um usuário apenas aos finais de semana. Não demorou muito para que o aparelho entrasse em seu cotidiano e se tornasse um hábito diário e constante. Resultado: o pulmão do rapaz se assemelhava ao de um homem que fumava três maços de cigarros por dia há três décadas, informaram os médicos. Ou seja: estamos assistindo a uma geração que adoecerá severamente de doenças respiratórias de forma precoce, antes mesmo dos 20 anos.

    Como todo processo de dependência, a adição do rapaz por vapes o levou a aparelhos cada vez maiores e mais potentes – e, claro, mais danosos. Segundo relatos do próprio jovem, ele reabastecia o cigarro eletrônico uma vez a cada dois dias. Na prática, isso equivale a fumar muito mais. Em média, um cigarro tradicional comum oferece 15 tragadas. Um maço teria, então, 300 tragadas. Logo, um vaporizador de 1,5 mil tragadas seria equivalente a cinco maços.

    Outro ponto interessante do depoimento do jovem se refere ao fato de que ele não tinha nenhum contato com cigarros antes do vape entrar em sua vida. Isso reforça a ideia concreta de que os cigarros eletrônicos estão servindo de iniciação à dependência para novas gerações, com o agravante de estarem disfarçados por sabores agradáveis ao paladar e embalados por um comportamento hype e cool juvenil – mas que, na verdade, não passa de estratégia de marketing, assim como os cigarros também fizeram por décadas.

    A Anvisa, sabiamente, havia classificado como Dispositivo Eletrônico para Fumar (DEFs) qualquer tipo de cigarros eletrônico, tão logo eles surgiram. Atualmente existem duas grandes variedades de DEFs: o vape, que funciona aquecendo um líquido que contém nicotina, conservantes e aditivos; e o cigarro de tabaco aquecido, que   aquece tabaco sólido combinado com aditivos. O aquecimento de ambos se dá por meio de uma bateria que gera um aerossol responsável por levar nicotina ao usuário.

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    Atualmente existem duas grandes variedades de Dispositivo Eletrônico para Fumar (DEFs): o vape, que funciona aquecendo um líquido que contém nicotina, conservantes e aditivos; e o cigarro de tabaco aquecido, que aquece tabaco sólido combinado com aditivos. O aquecimento de ambos se dá por meio de uma bateria que gera um aerossol responsável por levar nicotina ao usuário.

    Inicialmente introduzidos no mercado como um aliado no processo de parar de fumar, sabe-se hoje que seu efeito é contrário, potencializando a dependência: além de todos os males já conhecidos da nicotina, consumidos em maior quantidade nos vapes, eles liberam uma série de micropartículas e mais de duas mil substâncias químicas tóxicas e cancerígenas, como acroleína, acetaldeído, benzeno, óxido de etileno, formaldeído, níquel e nitrosaminas.

    Dados do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) apontam que um em cada dez alunos do Ensino Médio no país já são fumantes de vapes, o dobro se comparado com 2014. Nos Estados Unidos – onde existem mais de 400 marcas de cigarros eletrônicos – este número se repete, mas entre estudantes ainda mais jovens: um em cada 10 alunos do Ensino Fundamental, com o agravante de os aparelhos contarem cada vez mais com um design que permite aos jovens esconderem os cigarros eletrônicos dos pais, disfarçados de USB. Ano passado, a Anvisa manteve, por unanimidade a proibição dos cigarros eletrônicos no país. Apesar disso, é fácil encontra-los à venda em comércios de rua, camelôs e na internet. O resultado é que, mesmo proibidos, cerca de 0,6% dos brasileiros com mais de 15 anos se declaram fumantes dos vapes.

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    Por fim, chama a atenção na declaração do jovem americano a dificuldade de reagir à dependência grave de nicotina. Em dezembro de 2021, com apenas 17 anos, ele já havia dado entrada em um hospital, pela primeira vez, com fortes dores e cãimbras do lado esquerdo do peito. Na ocasião, foi diagnosticado com pneumotórax espontâneo, justamente quando o pulmão é invadido por bolhas de ar, dificultando a respiração. Dois meses depois, foi a vez do pulmão direito apresentar alterações. Ele ainda precisou de mais duas internações para finalmente abandonar os cigarros eletrônicos.

    Recuperado, o jovem americano agora aderiu às campanhas de conscientização para afastar os jovens dos vapes. Foi preciso colocar a vida à prova, de maneira radical, para entender os malefícios do fumo. Se sua história servir de exemplo aos demais adolescentes, ao menos terá valido a pena.

    Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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