Fugindo à regra da orla de Copacabana, que dispara, mais do que nunca, como destino turístico, o Bairro Peixoto conserva as tradições e o clima de bairro pacato
O vale do Bairro Peixoto. Panorama da Praça Edmundo Bitencourt, rodeado de edifícios residenciais de meados dos século XX e o Morro dos Cabritos, ao fundo.
por Pedro Paulo Bastos
Quem mora no Rio sabe que o calçadão da Avenida Atlântica “ferve” nos fins de semana ensolarados. Brasileiros e turistas compartilham o mesmo espaço, uns em roupas de banho, outros em roupas mais informais, numa mistura de sussurros e conversas que, aliado ao idioma estrangeiro, tornam-se indecifráveis com os carros de sons que, por vezes, circulam pela orla aos berros. Sem mencionar os quiosques que contam com atrações musicais curiosas, às vezes profissionais, às vezes amadoras; na praia de Copacabana, todos querem mostrar o seu talento e, se possível, ainda ganhar alguns trocados em cima disso. Nas areias, barracas de praia vão colorindo o espaço compreendido do Leme ao Forte, enquanto a cada metro quadrado daquela faixa de grânulos esbraseantes avista-se uma pelada entre amigos ou, até mesmo, uma arena esportiva, toda equipada, patrocinada pelas grandes corporações.
A praia de Copacabana nos dias de hoje, por mais linda que continue sendo, já não possui aquela essência de “bairro”, de familiaridade. Eu arriscaria a dizer que é um logradouro muito mais mundial do que carioca, isto é, um símbolo cosmopolita no contexto brasileiro. Tudo cheira a turismo, à mercadoria – com exceção do mar, é claro, acho eu. A questão é que no bairro mais turístico do Brasil ainda é possível se deparar com verdadeiras ilhas de tranquilidade, daquelas que você se pergunta: caramba, como isso aqui existe no meio de tanto caos? Deixo as coordenadas para os interessados.
Acesso. Um dos acessos à Praça Edmundo Bitencourt é através da Rua Tenente Marones de Gusmão. Ao lado, ciclistas circulam pela rua adjacente, a Maestro Francisco Braga.
Os edifícios. Portarias charmosas, como essa na Rua Tenente Marones de Gusmão, e as janelas em veneziana azul, na esquina com a Rua Anita Garibaldi.
No calçadão da Avenida Atlântica, localize a Rua Figueiredo de Magalhães. Entre nela – há uma ciclovia para quem estiver de bicicleta! – e siga toda a vida. Cruzarás a Rua Domingos Ferreira, a movimentada Avenida Copacabana e a Rua Barata Ribeiro, a aprazível Tonelero, e eis que, finalmente, surgirá à sua esquerda, alguns metros mais adiante, a Rua Tenente Marones de Gusmão. Vire nela. Se houver dúvida quanto ao caminho percorrido, informo que já na boca do Túnel Velho haverá uma placa de trânsito assinalando o caminho sugerido neste parágrafo. Em outras palavras, o caminho para o Bairro Peixoto.
Na meiuca da rua indicada, encontrarás o oásis, a Praça Edmundo Bitencourt, que, por sua vez, está localizada na meiuca do Bairro Peixoto, a bucólica região de Copacabana incrustada entre a Rua Tonelero e os morros de São João e dos Cabritos. Ladeada de edifícios residenciais de meados do século XX, a praça conta com, aproximadamente, 8 030 metros quadrados onde o verde e o espaço recreativo convivem de maneira amigável e deliciosamente cativante. A primeira impressão que tive da praça, vislumbrando-a pela Tenente Marones de Gusmão, foi a de estar próximo a uma espécie de “respiro”. Naquele mar de prédios, encontrar uma área livre, ampla e arborizada como a Praça Edmundo Bitencourt é como acarinhar os pulmões e, muito além dos pulmões, o estado de espírito.
“Naquele mar de prédios, encontrar uma área livre, ampla e arborizada como a Praça Edmundo Bitencourt é como acarinhar os pulmões e, muito além dos pulmões, o estado de espírito.”
Respiro. Árvores fortes, com galhos e troncos grossos, enquanto as pedras portuguesas que margeiam a praça recriam, brevemente, o calçadão de Copacabana.
Transeuntes. Idosos, cães, crianças, ginastas e, claro, os pombos.
Circulando pela praça, constatei que a orla não é o único espaço de lazer para onde fogem os moradores da Zona Sul nesses domingos cálidos. A ocupação da praça pelos moradores estava sendo feita de maneira integral, com cada cantinho exercendo a sua funcionalidade. Como bem se sabe, e segundo dados de 2011, Copacabana é o bairro mais idoso do Brasil. Logo, não foi nenhuma surpresa encontrar no território da Praça Edmundo Bitencourt uma quantidade relevante de idosos. Alguns são mais ativos, desses que caminham e fazem ginástica na Academia da Terceira Idade – iniciativa da Prefeitura do Rio –, enquanto outros, não tão dispostos, simplesmente aproveitavam as belezas da praça para pegar um sol nos vários banquinhos verdes típicos “de praça” que existem por lá. Vale apontar que, por lá, há mais sombra do que sol. As árvores são daquelas bem antigas – centenárias, talvez – de tronco e galhos grossos.
A parte descoberta, no entanto, é a do parquinho, justo onde uma porção de crianças na faixa dos quatro, cinco, seis anos de idade corriam de um lado para o outro sob o olhar atento dos pais. Os mais pequenininhos engatinhavam sobre uma tanga ou toalha de piquenique esticada no solo especialmente para eles. A área, toda cercada por um gradil, é proibida para cães. Como bom senso é algo muito relativo, a associação de moradores do Bairro Peixoto não hesitou em instalar, em pontos estratégicos, placas de advertência do gênero: “Cachorro sim, no parquinho não”. Os cães, contudo, circulavam numa boa pela Edmundo Bitencourt. Alguns sem coleira, é verdade, mas dado o tamanho diminuto dos mesmos, chegava a ser até divertido vê-los se embrenhando ao redor das árvores ou debaixo das mesas de carteado.
Nas alturas. Espigões da Rua Santa Clara por pouco não alcançam, em altura, o Morro dos Cabritos. Na cena ao lado, o varal, que me fez lembrar as ruelas de Portugal.
Outros panoramas. A entrada bem cuidada do edifício (sem portões ou grades!) na Rua Maestro Francisco Braga e o parquinho com vista para a Rua Décio Vilares.
O cooper poderia estar sendo feito lá no calçadão da Avenida Atlântica, mas o clima bairrista em torno do Bairro Peixoto é tão notório que muitos se rendem ao perímetro da Praça Edmundo Bitencourt como circuito de ginástica. O ambiente é bucólico e o comprimento e a largura da praça são ideais para caminhadas ou corridas sem que alguém saia tonto dali por estar metido numa eterna rotação. A proximidade com a montanha também é um ponto a favor, além de ser um diferencial. É incrível notar que, mesmo tão próximo da praia, o Bairro Peixoto fornece a sensação de se estar num vale cujas montanhas – naquele instante, cobertas por uma certa névoa – quase são alcançadas, em altura, pelos espigões da Rua Santa Clara, a rua de trás, conectada com a Praça Edmundo Bitencourt através de uma passagem subpredial. É, isso mesmo, passagem subpredial, denominação minha.
Nomeada de Travessa Moacyr Deriquem, a tal passagem subpredial também conhecida por Boca do Lobo, é um modelo de logradouro, acredito que, inédito na Zona Sul, quiçá no Rio de Janeiro. Pela cidade há muitas passagens subterrâneas, como a da Avenida Lauro Sodré, no Shopping Rio Sul, e o tradicional Buraco do Padre, no Engenho Novo, mas a Travessa Moacyr Deriquem foge aos padrões ao figurar-se como uma passagem pública no nível da rua e debaixo de prédios residenciais. Grafites estilosos compõem o cenário, que o deixam bem colorido e divertido, muito embora o aspecto meio sorumbático e aquela leve sensação de insegurança estejam encravados no local. Surge o questionamento: como será isso aí à noite?
A passagem subpredial. Entenda como é a Travessa Moacyr Deriquem, também conhecia como Boca do Lobo, e seus grafites.
Monumentos. O chafariz de Fernando Bologna, inativo, e o tributo à Nossa Senhora de Fátima, envolto em um belo jardim.
Voltando à praça, percebi que entre tantos bustos de gente ilustre espalhados por ela, o monumento mais chamativo de lá, entretanto, aparecia como coadjuvante. O chafariz – de concreto armado, obra de Fernando Bologna – fulgurava naquele espaço sem nenhum indício de jorros d’água. Bom, nem mesmo água havia no reservatório, para falar a verdade. A bacia estava seca.
Por outro lado, não muito longe dali, um jardim de margaridas, copos-de-leite vermelhos, dionelas, entre outras espécies de flores, reluzia impecável. O jardim, cercado por um gradil – assim como o chafariz e o parquinho –, estava sendo atenciosamente admirado por uma criança de uns dois anos de idade. O garotinho se debruçava contra aquela barra de ferro, sorridente, amparado pela avó, que, com a coluna encurvada, o segurava por trás. No centro do jardim, ia esquecendo-me de dizer, resplandecia uma estátua de Nossa Senhora de Fátima acondicionada em uma cúpula branca de vidro. Apenas mais uma das tantas atrações da Praça Edmundo Bitencourt.
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