Acolhedor, fresquinho, verdejante, mirante: chegamos a um dos esconderijos do Alto!
Alto da Fé. Pequena praça no Alto da Boa Vista é reduto de católicos e de residências luxuosas.
por Pedro Paulo Bastos
Rodeada por uma arborização densa e tranquilizante ao espírito urbanoide, uma pequena estrada se desenha pelos meandros do Alto da Boa Vista, na zona norte do Rio. Não há indícios de vida; apenas uma via de mão-dupla para o trânsito de automóveis. Uma das saídas do Parque Nacional da Tijuca vai ficando para trás e só o que podemos ver adiante são árvores, galhos, um ou outro animal silvestre pelo meio-fio e a infinitude de uma rua que não nos dá muito certeza sobre o local onde findará. A umidade típica da floresta invade o carro e a nossa primeira reação é ou fechar as janelas ou devolver a manga da blusa comprida à altura do pulso. Mais uma curva aqui, outra acolá, muros vão surgindo, telhados de casas românticas brotam entre as árvores até então muito concentradas. Folhagens coloridas vão figurando entre o verde predominante da floresta, o sol penetra melhor pelo asfalto, e eis que chegamos ao suposto fim.
Estamos na Praça Martins Leão, no coração do Alto da Boa Vista, e ao mesmo tempo, num de seus esconderijos. Talvez este seja um dos recantos mais difíceis de ser alcançado dentro do bairro, sem falar que é um dos mais bonitos também. O carioca que não é aficionado pela floresta e suas cachoeiras só costuma visitar o Alto em eventos sociais como casamentos e festas de grande porte nas igrejas e mansões que ainda restaram por lá. Quando cheguei à Praça Martins Leão e avistei a simpática Capela Santo Cristo dos Milagres, bateu a dúvida crucial: já estive aqui antes, não? Particularmente não recordo. O panorama noturno associado às cerimônias religiosas em certos locais não facilita o reconhecimento dos mesmos durante o dia, ainda mais em ruas que não temos o costume algum de transitar. E é aí que surgem aquelas lamentações de “sou carioca há tanto tempo e nunca vim aqui”. Não preciso nem dizer que brotaram sentimentos deste tipo em mim, algo de culpa até, afinal, eu me dedico a um projeto chamado As Ruas do Rio, não é mesmo? A Praça Martins Leão é linda demais para eu nunca tê-la visitado por lazer como naquela manhã de domingo.
A capela. A Capela Santo Cristo dos Milagres congrega fiéis das adjacências do Alto da Boa Vista nos dias de missa.
Casas luxuosas. A área residencial no entorno da praça é pouco habitada mas BEM habitada: portões como esses separam o espaço público do privado.
Quando chegamos lá (a primeira pessoa do plural se refere a mim e a minha família), fiz questão de checar o Google Maps do celular para me certificar em que “buraco” tínhamos nos metido. Meus pais já conheciam a praça e a capela graças a um casal de amigos recém-casados, porém eu e meu amigo tcheco, que fugiu do mestrado em São Paulo para desfrutar alguns dias em solos cariocas, ficamos surpresos em estar nesse bucólico refúgio. De imediato, percorremos o entorno da capela para observar melhor as residências da Estrada da Paz e da Estrada do Soberbo, que são vias adjacentes à Praça Martins Leão. Sem muitas perspectivas de enxergar além dos muros verdejantes, nos dirigimos à escadaria da capela.
Minha família não é católica e nem temos seguido nenhum preceito religioso nos últimos anos, mas de fato me instiga a relação que os católicos praticantes têm com suas igrejas e tradições. A missa da Capela Santo Cristo dos Milagres nos domingos de manhã é uma congregação de fiéis em sintonia pra lá descontraída com o padre que ministra as sessões. A impressão que tivemos era a de ser mais uma conversa informal do que uma missa, ou melhor, o estereótipo de uma missa. Os fiéis, por sua vez, são famílias que chegam à Praça Martins Leão em seus carrões – não há outro meio de transporte se não o automóvel – e estacionam-os ao redor da diminuta praça. Não se sabe a procedência deles, mas certamente de alguma região próxima, como o Itanhangá e a Barra.
Lanche e mirante. Tendas na Praça Martins Leão vendem café e lanches, enquanto o saguão da capela proporciona belas vistas da zona oeste.
O que se vê. A Pedra da Gávea e o litoral da Barra da Tijuca.
Como toda praça carioca que se preze, há o guardador de carros, que ultimamente designado, pejorativamente, de flanelinha. Na Praça Martins Leão, quem nos abordou foi um senhor muito simpático, no entanto, diferentemente daqueles flanelinhas que estamos acostumados a lidar nas ruas ao nível do mar. Além disso, a praça concentra dois pólos gastronômicos improvisados em tendas que protegem uma mesa com bules de café, condimentos, paninhos cobrindo outros produtos comestíveis e um isopor. Acredito que as duas senhoras que comandam essas cantinas ambulantes apareçam ali apenas nos horários mais badalados da igreja ou nos fins de semana.
Muito mais do que uma bonita capela e o verde intenso da vizinhança, o grande barato ali são as vistas. O motorista quando vai se embrenhando pelo Alto da Boa Vista perde um pouco a noção de espaço e sentido. São tantas curvas e árvores em estradas, muita das vezes, não tão bem sinalizadas, que se acaba perdendo a noção se para cá está mais perto da Tijuca, ou se ali é mais próximo de São Conrado, por aí vai (se você não entender, acesse um mapa e visualize). A melhor forma de se localizar na Praça Martins Leão em relação à cidade é através de um breve passeio pelo interior da Capela Santo Cristo dos Milagres, que fica numa posição mais alta que a praça. Dentro dela há um saguão com janelões de vidro perfeitos para estabelecer qualquer contato visual com o Rio. Foi lá onde, de fato, nos localizamos: em meio a fiações e ipês, conseguíamos admirar a Pedra da Gávea e, de outro ângulo, a Barra da Tijuca. É desses passeios simples e sufocantemente bonitos que eu gosto.
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