Existem ruas que, involuntariamente, se transformam em verdadeiras companheiras do nosso dia-a-dia. A minha é (ou foi?) a Almirante Tamandaré. Fica aí o meu testemunho…
Entre o largo e a praia. Passeio de pedestres na Rua Almirante Tamandaré, no Flamengo.
por Pedro Paulo Bastos
Como a maioria dos trabalhadores de uma grande metrópole, circulo pelas mais diversas ruas diariamente. Há aquelas ruas em que eu passo uma vez ou outra, rumo a algum compromisso esporádico, enquanto há outras que fazem parte da minha rotina. Aquelas que são meu itinerário, meu cotidiano. Sou apegado às ruas, vocês sabem bem, e nesse final de 2013 tive de me despedir – da convivência cotidiana, vale ressaltar – de uma rua que vem me acompanhando ao longo destes últimos dois anos. Explico o porquê e a minha relação afetiva com esse logradouro: a Rua Almirante Tamandaré, situada no bairro do Flamengo.
Comecei a trabalhar num prédio comercial da Praia do Flamengo no início de 2012. Como bom tijucano, sou usuário assíduo do metrô e, portanto, o caminho ao trabalho não poderia ser diferente se não através do metrô. Desembarcava na estação do Largo do Machado, bem próxima à Almirante Tamandaré. Ela, por sua vez, é uma rua de extensão razoável, sem transversais, que conecta a Rua do Catete – onde está o largo – com a Praia do Flamengo, endereço, até então, de labuta deste que vos escreve. Em outras palavras, a Rua Almirante Tamandaré estava contida no meu itinerário rumo ao trabalho. No entanto, sou um grande adorador dos caminhos alternativos, pois gosto de fugir da rotina. Mudar a paisagem é sempre positivo para mim e, sempre que possível, o faço, só que, curiosamente, eu nunca consegui abrir mão de passar pela Rua Almirante Tamandaré.
Detalhes. As típicas venezianas da rua e a agência bancária Santander sob um edifício na esquina com a Praia do Flamengo.
Em primeiro lugar, a beleza da rua era um fator de fidelização. O Flamengo é um bairro de prédios monumentais dos anos 1940 e 50 e a referida rua é repleta de portarias majestosas e de venezianas, hoje, consideradas retrôs, elementos que eu aprecio à beça. Paira pelo ar um clima de Rio-capital-do-Brasil misturado ao glamour tão característico às zonas nobres do antigo Distrito Federal. É uma rua pouco colorida, pois todos os edifícios – não há casas – possuem tonalidades pastéis o que confere certa sobriedade ao local. É o típico luxo ultrapassado, que se reflete no aspecto meio decadente de algumas janelas e fachadas. São prédios cheios de detalhes e de referências artísticas que pouco lembram a arquitetura medíocre contemporânea. Cada edifício na Almirante Tamandaré tem a sua própria identidade, e o pedestre atento, como eu sou, consegue distinguir muito bem cada uma delas. Mais do que distingui-las, eu me encantava com tais identidades, o que aprofundou ainda mais a minha cumplicidade com essa rua.
Residências. Observe os detalhes dos prédios, muito deles monumentais, como esse quase na esquina com a Rua do Catete, à esquerda. A imagem o lado é do edifício já na outra ponta, próximo à Praia do Flamengo.
Personagens. O pseudo-mendigo, a quem apelidei assim, carinhosamente, e o comércio doméstico da região, como o mercadinho Armazém.
Mas não era só a bela arquitetura que me impressionava. Passei a tornar-me cúmplice de todos aqueles rostos conhecidos que diariamente cruzavam comigo na ida e volta ao trabalho. Eram personalidades da Almirante Tamandaré, gente que passeava por ali sempre nos mesmos horários que os meus. São pessoas que, mesmo que não saibam, fizeram parte do meu dia-a-dia por dois anos. Acompanhei seus cortes de cabelo, trechos de conversas no telefone, seus padrões de consumo. Jamais esquecerei do pseudo-mendigo da Almirante Tamandaré. O cara mora na rua por opção. Tem boa aparência, já o vi com um radinho de pilha, muito embora prefira tirar sua pestana ali mesmo, sobre um tapete de papelão no recuo ao lado do buteco. Chamo-o de pseudo-mendigo, pois, como todo trabalhador, quando “dá a sua hora”, ele põe a mochila nas costas e ruma a algum lugar que ignoro, mas que deve ser a sua verdadeira residência. Sou testemunha disso, confiem.
Foram muitos os doces comprados no baleiro da rua. Aquela sonolência típica após o almoço era combatida com ele, o vendedor simpático a quem nunca perguntei o nome. Às vezes me atendia um senhor, às vezes um cara mais novo; deviam ser sócios ou pai e filho. Ambos sempre me atenderam com excelência, sobretudo na hora de receber as dezenas de moedas acumuladas na carteira em troca de balas de maçã-verde. A caixa do Armazém não poderia ficar de fora da minha lista de pessoas a quem sorri e fui agraciado, em troca, sempre!, por outros sorrisos mais. O mesmo vale para os atendentes da comida caseira do Bistrô Ouro Preto, que tanto acalentou meu estômago nas horas de fome, assim como para a livraria ambulante quase na esquina com a Rua do Catete. Foi lá onde encontrei alguns livros que eu procurava havia um tempão por preços dignos.
Outros pontos. A esquina com a Rua do Catete, com a Praça José de Alencar ao fundo, e a obra de arte na fachada térrea de um dos edifícios.
Só percebi como a Rua Almirante Tamandaré me era importante nos últimos dias ali como transeunte frequente. Bateu aquele aperto no peito em pensar que ela não faria mais parte do meu cotidiano, que não veria mais aquela gente e a imobilidade grandiosa daqueles prédios habitualmente. Logo esses prédios, que tanto me resfrescaram com sombra nos dias de calor insuportáveis. Sem excluir o mérito das árvores, é claro. A Almirante Tamandaré é uma preciosa alameda. A minha despedida com ela foi quase tão dura e emocionante como aquela que eu tive com os colegas de trabalho no prédio situado à esquina da Almirante com a Praia do Flamengo. Adeus emprego velho, feliz (próximo) emprego novo. Que venha, assim, o ano novo, cheio de boas energias e de novas ruas para alegrar, singelamente, o nosso dia-a-dia, tanto para vocês, como para mim.
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