No coração do Rio de Janeiro, um parque bicentenário que não recebe a atenção merecida e uma série de prédios imponentes que, de camarote, observam as mais belas paisagens cariocas
Arquitetura expressiva. Panorama da Escola de Música da UFRJ através do Passeio Público, o primeiro parque do Brasil.
por Pedro Paulo Bastos
Lindo, mas sem muito desfrute: foi o que eu pensei ao adentrar o Passeio Público numa tarde de quinta-feira. Incrustados entre a Lapa e a Cinelândia, os jardins do Passeio deveriam estar “bombando” de visitantes e turistas, afinal, ele é o primeiro parque público do Brasil. É um dos maiores símbolos expoentes da urbanização do país. Sem mencionar a sua localização, em pleno Centro do Rio de Janeiro. Assim sendo, convenhamos que o Passeio Público seja digno de uma representatividade mais expressiva no contexto turístico e patrimonial da cidade. E, no entanto, não a tem. É um parque lindo, mas sem muito desfrute.
O desenho geométrico das alamedas do Passeio Público assinala toda a influência europeia que permeou nosso desenvolvimento citadino, sobretudo no século XVIII, quando o parque, idealizado pelo Mestre Valentim, foi aberto à população carioca sobre a antiga e não tão salubre Lagoa do Boqueirão d’Ajuda. Figueiras, flamboyants, bromélias, jequitibás, perobeiras; as árvores do Passeio Público são de tirar o fôlego. Quando vistas de baixo para a cima, o “céu” de lá se parece a um lustre grandioso de galhos com longas tranças ainda mais amareladas pela luz do sol. Ao redor, bustos de gente ilustre, como o próprio Mestre Valentim, além de Irineu Marinho, Castro Alves e Chiquinha Gonzaga, entre outros. Os seus lagos dão ares românticos a um Centro da cidade cada vez mais financeiro e menos lúdico. A fonte, o chafariz dos Jacarés, entre outras obras de arte originais do parque são motivos de encantamento, mas, igualmente, de lamúria – é um lugar notoriamente inseguro.
Sombras. Mais arborizada que a vizinha, e não menos charmosa, Praça Paris, o Passeio Público concentra uma grande variedade de espécies vegetais proporcionando sombra às suas agradáveis alamedas.
Bucolismo. Entre lagos, pontes e chafarizes (como o dos Jacarés, ao fundo), os poucos visitantes aproveitam a tranquilidade do parque para descansar.
Embora mais arborizada que a vizinha Praça Paris (outro marco urbanístico altamente idealizado e, recentemente, revitalizado), o Passeio Público, com suas sombras abundantes, parece não ser capaz de atrair a visita de muitos pedestres. Em plena luz do dia, pouco mais de dez pessoas ocupavam os diversos bancos espalhados pelos 33 649 mil metros quadrados do parque. A maioria aproveitava a tranquilidade do Passeio, um verdadeiro refúgio ante as caóticas ruas em volta, para tirar uma pestana ou ler o jornal do dia. Por outro lado, havia aqueles, também, que aparentavam ser uma espécie de nativos dali: os moradores de rua. Antes, uma explicação: são moradores de rua, não necessariamente assaltantes! Contudo, já ouvi diversos relatos de violência ao redor – e dentro – do Passeio Público, especialmente no Foursquare, o que corrobora a ideia de que o Passeio não recebe a atenção merecida. Mesmo assim, é bom lembrar que o Campo de Santana – não muito longe dali, mas tão importante quanto – sofre do mesmo mal.
“Em plena luz do dia, pouco mais de dez pessoas ocupavam os diversos bancos espalhados pelos 33 649 mil metros quadrados do parque. A maioria aproveitava a tranquilidade do Passeio, um verdadeiro refúgio ante as caóticas ruas em volta, para tirar uma pestana ou ler o jornal do dia.”
Pelas calçadas da Rua do Passeio, um vaivém de pedestres passa pela entrada cheia de rococós do Passeio Público indiferentes ao que deveria ser um dos mais prestigiados monumentos do Rio. Entre buzinas e ruídos de motores, um terminal rodoviário margeia toda a calçada do Passeio Público, onde os fiscais dos ônibus ora conversam entre si animadamente, ora prestam orientações àqueles da fila de passageiros que vai se alongando conforme a demora de saída do veículo. Do outro lado da calçada, nas imediações da Rua das Marrecas, vê-se o início dum corredor de camelôs – devidamente autorizados, acredito, pois eles já são tradicionais ali – que só vai terminar, de fato, no alinhamento da Rua do Passeio com a Praça Mahatma Gandhi, espaço aberto adjacente ao Passeio Público. É tanta oferta de produtos, tantas vitrines ambulantes, que a calçada da Rua do Passeio acaba tornando-se uma profusão de pedestres com interesses distintos. Clientes ou andarilhos, eles são os responsáveis por caracterizar essa multidão de gente tão peculiar ao Centro.
A Rua do Passeio. O emblemático edifício Francisco Serrador na esquina com a Rua Senador Dantas e a vista para a Avenida Rio Branco. Ao lado, morador de rua descansa ao lado do gradil do Passeio Público.
Pompa. A imponência do edifício sobre o cinema Odeon, na Cinelândia, que fica de frente para a Praça Mahatma Gandhi, com escultura do próprio e o chafariz do Monroe ao fundo.
Do alto, as janelas dos edifícios observam não só toda essa movimentação que acontece lá embaixo, assim como avistam, de camarote, as mais belas paisagens cariocas. Em primeiro plano, o tapete de árvores que cobre a superfície dos jardins do Passeio Público e o minimalismo da Praça Mahatma Gandhi com seu chafariz vestigial do antigo Palácio Monroe. Em segundo plano, a beleza do Aterro do Flamengo com as suas autopistas bucólicas sempre imunes ao tráfego pesado de uma grande metrópole como o Rio. Em terceiro, a Baía de Guanabara, sobrevoada pelas aeronaves que decolam e aterrisam no Aeroporto Santos Dumont, que, de tão próximas ao nível do mar, parecem capazes de colidir a qualquer momento com o Pão de Açúcar em sua imobilidade imponente junto à linha do horizonte.
Mas não são apenas os prédios que observam tudo isso. Nós, seres mortais, também os observamos. A arquitetura da Rua do Passeio é recomendavelmente observável. A começar pelo imóvel na esquina com a Rua Visconde de Maranguape, por exemplo. Próxima aos Arcos da Lapa, a escola de música da UFRJ é deslumbrante e exige atenção ao ser contemplada. São tantas minúcias em sua fachada que, enquanto caminhava pelo Passeio Público, esqueci um pouco daquela insegurança toda única e exclusivamente para admirá-la. Nesse momento que eu me peguei refletindo sobre o que seria a essência dos espaços públicos: além de um local de convivência, que seja, também, um local que ofereça aconchego e coisas bonitas de se ver. A Rua do Passeio com o seu Passeio Público é absolutamente capaz de oferecer isso, mas, por descaso, sofre de baixa autoestima.
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