As Ruas do Rio

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Um passeio por Cascadura (parte I): Avenida Ernani Cardoso

Primeira parte de uma expedição fotográfica que participei com um grupo de amigos pelo bairro de Cascadura, no subúrbio do Rio Tradição escolar. Fachada da centenária Escola Arte e Instrução, na Avenida Ernani Cardoso. por Pedro Paulo Bastos Conheci o Raphael Bellem graças ao meu ofício como cronista e fotógrafo do As Ruas do Rio. […]

Por Pedro Paulo Bastos
Atualizado em 25 fev 2017, 18h56 - Publicado em 7 out 2013, 03h43
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  • Primeira parte de uma expedição fotográfica que participei com um grupo de amigos pelo bairro de Cascadura, no subúrbio do Rio

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    Tradição escolar. Fachada da centenária Escola Arte e Instrução, na Avenida Ernani Cardoso.

    por Pedro Paulo Bastos

    Conheci o Raphael Bellem graças ao meu ofício como cronista e fotógrafo do As Ruas do Rio. Em uma das tantas interações bacanas que acontecem na página do Facebook (que se você ainda não curtiu, eis a chance de curtir neste link), eu e ele passamos a trocar mensagens em particular, tendo em vista nossos interesses em comum, até que surgisse o convite: participar de uma expedição fotográfica pelo bairro de Cascadura, o bairro do Raphael, que eu, até então, ainda não tinha utilizado como ilustração para o As Ruas do Rio.

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    Topei a proposta imediatamente e esse último domingo, 6 de outubro, foi el gran día. Encontramos-nos por volta de umas onze da manhã no terminal rodoviário de Cascadura, perto da estação de trem. Manhã fresca, luminosidade aconchegante. Mesmo com todo o aspecto cinzento dessa região do bairro, resultado de grandes obras rodoviaristas, os ipês se sobressaíam na paisagem com as suas pétalas cor-de-rosa. A cada passagem de vento mais encorpado, as pétalas iam se desgarrando do pedúnculo formando um tapete da mesma cor sobre o asfalto da Rua Nerval de Gouveia. Para contrariar, quando os carros passavam, as pétalas, muito levezinhas, eram arremessadas para outros cantos, destituindo a uniformidade daquela relva rosácea.

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    Fiquei um bom tempo observando essa dinâmica dos ipês até que o Raphael chegou com mais dois agregados, o Luciano e o Tiago, que se mostraram rapidamente ótimos companheiros para a expedição.

    Saímos, então, rumo ao tradicional Colégio Arte e Instrução, cada um com as suas respectivas câmeras penduradas pelo pescoço, como se fôssemos turistas em plena praia de Copacabana. Segundo o Raphael, a escola, que já viveu seus tempos áureos, está prestes a encerrar suas atividades. Fundada em 1903 pelo educador, vereador e deputado federal Ernani Cardoso – personalidade, aliás, que deu nome à avenida que margeia a escola –, o Colégio Arte e Instrução nunca entrou para o rol de imóveis tombados e/ou protegidos como patrimônio do Rio. Lamentável, pois o CAI não só foi referência escolar, assim como está instalado num prédio bastante histórico e imponente. Sua fachada, toda branca com detalhes azuis claros, se destaca pela preservação. O toque ibérico fica por conta dos azulejos hidráulicos, já um pouco desgastados, o que não lhe tira o charme apesar disso.

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    A fachada. O Colégio Arte e Instrução é um dos imóveis mais bem conservados da Avenida Ernani Cardoso. Observe o detalhe dos azulejos.

    A pompa do imóvel onde funciona o Colégio Arte e Instrução, no entanto, serve como elemento de comparação ao seu entorno. A Avenida Ernani Cardoso sofreu uma série de intervenções que descaracterizaram substancialmente a arquitetura local. Soma-se a isso a ação de vândalos nos muros e o privilégio dos automóveis em relação ao pedestre, que dispõe de calçadas estreitas e mal cuidadas em alguns trechos. É uma avenida cheia de fragmentações, mas que, por outro lado, acaba se tornando um prato-cheio para observadores como eu e meus companheiros, ávidos por detalhes e história. O que para alguns seria um ordinário jogo de pedras portuguesas cravado na calçada, para nós, foi motivo de divagações sobre o significado das quatro estrelas alinhadas em frente a um terreno baldio. Seria um resquício da antiga escola americana?

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    Papo vai, papo vem, deparamo-nos com um jardinzinho bastante simpático nas proximidades da Rua Mendes de Aguiar. Na verdade, havia outros canteiros em volta, só que esse, em particular, era o mais bonito pelas suas flores alaranjadas – soube, depois, que eram margaridas do mato. Bastou que aproximássemos a lente da câmera para que uma voz nos chamasse. Hesitei por um momento, acreditando que fosse alguém querendo dar um puxão de orelha pela fotografia indevida, mesmo em espaço público, e, que nada! Era um casal de senhores, D. Aurélia e Seu Pedro (meu xará!), comentando que eram eles os que cuidavam da belezinha. Mostraram-nos, ainda, muito entusiasmados, as outras flores que eles cultivavam no apartamento, expostas no parapeito da sacada. Simpatia assim, desse jeito, não se vê em qualquer esquina. Enquanto muitos acham uma afronta alguém sair fotografando qualquer coisa por aí, mesmo em local público, D. Aurélia afirmou se sentir envaidecida de que gostássemos das suas flores e de que quiséssemos fotografá-las.

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    Pelas calçadas. O jardim bem cuidado da D. Aurélia e do Seu Pedro, todo formado por margaridas do mato, e o mercadinho em frente ao Colégio Arte e Instrução.

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    À caminho do viaduto. A esquina com a Rua Mendes de Aguiar – que seria uma das divisas com Madureira – e o registro de um fusca aparentemente abandonado em frente a uma oficina mecânica.

    Continuamos a expedição caminhando de volta ao terminal de ônibus, observando a paisagem formada por muitas antenas, torres, postes e fios. Além de um mercadinho, há algumas oficinas mecânicas, bancas de jornal e um estabelecimento comercial de letreiro com gosto duvidoso chamado Route 77. O Luciano falou que ali funciona uma espécie de bar/clube com garotas de programa, o que explicaria o fato do letreiro ser ilustrado pela imagem de duas ninfetas, uma loirinha e a outra morena. O curioso é que logo na esquina da Ernani Cardoso com o terminal rodoviário funciona uma cinemateca pornô, aberta “diariamente a partir das 14 horas”. Ou seja, a área possui uma certa vocação para a luxúria. Porém, ela se contrasta com as igrejas vizinhas e com um vazamento de esgoto, a céu aberto, bem ao lado do próprio Route 77.

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    Nas redondezas do viaduto, viramos à direita numa alameda pouco convidativa, mas que, no seu final, figurava um majestuoso prédio histórico, muito amplo, loteado de árvores e alguns pequenos jardins. Trata-se do hospital psiquiátrico Nossa Senhora das Dores; mesmo situado no alto de uma colina, ele é quase imperceptível ao pedestre. Colado a ele está a Capela Nossa Senhora das Dores, que também leva o mesmo nome do hospital. Ambas contam com uma arquitetura primorosa e com fachadas muito bem cuidadas.

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    Poluição visual. A quantidade de fios, postes e antenas chama a atenção pela Avenida Ernani Cardoso, assim como as pichações, que se contrastam com as edificações modernosas que tem pipocado no entorno.

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    Sítio da luxúria. Próximos um ao outro, uma casa de “prazeres”, a Route 77, e uma cinemateca pornô.

    A ideia era, obviamente, fotografar o belo local, embora tenhamos sido interpelidos pelo irmão João Pedro. Espirituoso e gentil, ele nos relatou a proibição pela Santa Casa da Misericórdia, mantenedora do local, de filmar ou fotografar o prédio sem autorização prévia. Apesar disso, “ganhamos” uma visita guiada por ele pelo interior da capela, que é toda loteada de mobiliário francês e vitrais esplendorosos – alguns estufados, no entanto, em função do calor dos trópicos. O irmão ofereceu-nos água fresca antes que seguíssemos pelas dependências do hospital, cujo acesso também se dá pelos fundos da capela.

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    As alas do hospital ainda resguardam o esmero das construções antigas, o que foi uma grata surpresa diante da nossa ignorância em relação ao local. Tivemos a oportunidade de andar no que, de acordo com o irmão João Pedro, foi “o primeiro elevador da cidade”: porta pantográfica, emblemas coloniais, apenas dois botões no interruptor. Mesmo com as visíveis dificuldades financeiras, isto é, mesmo com toda a carência, as alas são muito bem asseadas, e os pacientes bem tratados na medida do possível. A única parte do hospital em que fomos autorizados a tirar fotos era a vista que se tem da varanda: um campo verde e aberto com a cadeia rochosa da cidade e o bairro de Quintino Bocaiúva como pano de fundo. Naquela sacadinha, percebi a razão de o Nossa Senhora das Dores ter sido um hospital de “tuberculosos” no passado, afinal, a aprazibilidade da região, aquele clima meio pastoril ideal para tratamentos médicos, ainda persistia diante dos nossos olhos em pleno século 21.

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    Santa Casa. A bela fachada do hospital psiquiátrico Nossa Senhora das Dores, no alto de uma colina em frente ao viaduto de Cascadura, e a capela que leva o mesmo nome: mobiliário proveniente da França.

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    Campo. A vista que se tem da sacada do Hospital Nossa Senhora das Dores oferece ares pastoris em meio a urbe.

    Tanto eu como os outros que estavam no grupo não esperávamos por esse “adendo” no nosso passeio. Foi comovente percorrer aqueles corredores preenchidos por idosos dependentes e muito doentes. As ruas do Rio surpreendem pelos seus achados arquitetônicos, mas também causam um pouco de angústia ao vermos, de maneira tão delicada, o descaso do Estado com as questões sociais.

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    Na próxima crônica, o final do nosso passeio pelo Viaduto de Cascadura e pela pacata Rua Luiz Delfino, do “outro” lado do bairro.

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