Nesta sexta (9), os bares e restaurantes da cidade voltam a funcionar, com restrições. É um alento, depois de duas semanas muito difíceis. Dívidas, demissões, falências e cada vez mais incerteza ainda rondam o setor, e as perspectivas seguem cinzentas. Nesse clima pesado, é difícil acreditar que ainda haja quem esteja fazendo apostas otimistas nessa área. Pior (ou melhor!) que tem, caro leitor.
Nos últimos 15 dias, pelo menos dois novos e promissores negócios na área da gastronomia popular abriram na cidade. Isso mesmo: em meio ao fechamento geral, eles inauguraram. Mesmo sem poder receber clientes. Não conheço pessoalmente nenhum dos dois ainda. Mas tive a oportunidade de pedir em casa a comida e conversar com os “loucos” (ou corajosos) donos destas empreitadas. Gostei do que comi e ouvi. Mas gostei mais ainda da coragem.
No centro da cidade, que mais parece uma cidade fantasma, acaba de abrir no Largo de São Francisco da Prainha o Bafo da Prainha (@bafodaprainha), nova casa de Raphael Vidal, mais conhecido pela vizinha Casa Porto, um dos poucos bares populares do Rio que tem conseguido atravessar essas ondas bravias da pandemia sem fazer tanta água. Animado pelos bons resultados da estratégia digital da Casa Porto, que aposta num delivery diferenciado ao lado de muita criatividade nas redes sociais, Raphael abriu ali perto (no dia 27 de março, em pleno fechamento geral na cidade), uma pequena casa especializada em carnes assadas no bafo. O slogan explica tudo e já alerta: “churrasco carioca no tambor de latão. Não temos molho barbecue”. Comidão sem filtro e bem servido. Esta sexta-feira, dia 9, é o primeiro dia em que o negócio terá autorização para receber clientes físicos. Mas as entregas já estão a pleno vapor e a casa vai bem, dadas as circunstâncias.
“O Bafo da Prainha é uma celebração ao churrasco do jeito que carioca faz. Uma homenagem aos churrasquinhos da Zona Oeste e da Zona Norte, onde vivi durante muitos anos da minha vida. Um brinde também à memória do meu pai, que me ensinou que é possível fazer churrasco sem precisar gastar rios de dinheiro”, disse Raphael, no dia em que a casa “inaugurou” virtualmente.
Apesar da pouca experiência – sua Casa Porto era um centro cultural, que virou botequim mais por necessidade do que por sonho, três anos atrás – Raphael já virou uma inspiração inclusive para grandes nomes da gastronomia popular da cidade, que por razões naturais têm mais dificuldades para lidar com a situação de guerra em que vivemos.
Outra casa que apostou nessa coragem à toda prova é a Casa Milà (@casamilarj), do jovem empreendedor Lucas Leal. Inaugurada semana passada num sobrado na Praça São Salvador, a Casa Milà ainda não viu (pelo menos até esta sexta-feira) nenhum cliente circulando no seu grande e bem projetado salão com capacidade para 70 pessoas.
A casa era um sonho de anos de Lucas, que queria abrir no Rio um lugar inspirado na boemia de Barcelona, onde viveu e estudou hotelaria. Por incrível que pareça, a pandemia serviu como estímulo para Lucas colocar o sonho em prática. Sem opções de trabalho, resolveu arriscar tudo.
Ao lado do chef mineiro Fernando Almeida – um craque dos sabores, ex-vencedor de dois reality shows de gastronomia na TV – Lucas garimpou o mercado atualmente favorável para o aluguel de imóveis comerciais e montou o negócio, como ele mesmo diz, “com a cara, a coragem, e um parafuso a menos”.
“Abrir durante a pandemia foi um pouco por falta de opção mesmo. Mas, por mais louco que possa parecer, eu já sabia o que me espera, e me planejei pra isso. Eu lamento muito, por exemplo, por quem abriu antes da pandemia, e foi pego de surpresa e sem defesas contra essa tragédia”, raciocina Lucas. Faz sentido.
O maior trunfo da Casa Milà, porém, não me parece ser apenas a estratégia em tempos de guerra. E sim o talento do chef Fernando. O cara é fera. Tem um negócio lá no cardápio deles chamado Porca Miséria, que é realmente incrível. São cinco tipos de carne suína processadas e enroladas em provolone defumado e empanado em farinha especial. Um petisco incrivelmente bom – daqueles que dá para comer até gelado. E abre-alas perfeito para um cardápio inspirado na gastronomia espanhola, que conta também com croquetas de jámon e pratos de peixe, massas e carnes com qualidade de restaurante top a preços pra lá de razoáveis.
Sobre o ambiente do lugar, ainda não posso dizer. Só publicar a foto acima. E esperar o dia em que esta coluna poderá, novamente, falar e respirar bares e restaurantes semanalmente, e sem restrições. E aí, muito em breve, eu serei um dos 70 naquele salão.