Os treze leitores que acompanham este repórter de boteco desde os tempos daquele vetusto matutino hão de estranhar que este texto verse sobre um bar que tem mais de 15 filiais. De fato, sempre preferi jogar luz nos botequins menos badalados, mais familiares, obscuros até, como apraz a um boêmio flanador das antigas, como eu.
Mas existe uma filial do Mané – a rede de pés-limpos boêmios de comida honesta, vibe artística e visão empresarial arrasadora, cuja política de franquias já elevou a rede a mais de 15 filiais em pouco mais de dois anos de existência – que tem uma história pra lá de original e inspiradora.
O boteco Mané Delas, em Copacabana, é uma versão feminina, única e exclusiva, da rede de bares Mané. Que nasceu quase que por acaso, em plena pandemia. Fruto da resiliência de três amigas que nunca tinham colocado os pés na cozinha de um botequim, mas que já sabiam muito bem como montar um bom negócio – especialmente aqueles que valorizam a força do empreendedorismo feminino.
As cariocas Natália Magalhães e Suélen Gomes se conheceram em 2018, quando faziam pós-graduação em marketing em Portugal. Ainda por lá, botaram o pé no empreendedorismo com o evento “Feito por Elas”, uma feira de moda que fez sucesso nas praças da cidade d´O Porto. Pegaram gosto pela coisa e depois de um tempo decidiram voltar ao Brasil e tentar emplacar a ideia por aqui. Só que aqui a concorrência é muito mais selvagem… E ainda veio a pandemia! Mas a vontade era tanta que, com o incentivo da Carla Tarsitano, a terceira sócia, a ideia da feira virou projeto de botequim. E, mesmo com a pandemia, mesmo sem nenhuma experiência com bares para além do bom e velho halterocopismo, as três construíram essa casa simpática aí das fotos, que já está virando destaque – e provocando até alguma inveja… – nas imediações da Rua Djalma Urich, número 49. Uma casa de mulheres, feita com o maior esmero para todos os gêneros que transitam pelo bairro.
A ajuda logística e financeira da rede Mané, lógico, facilitou as coisas. Mas a marca que o Delas oferece – muito mais que o charme óbvio de um boteco operado só por mulheres – é também mais um sinal do aumento significativo do empoderamento feminino em negócios antes dominados quase que exclusivamente por homens.
As três sócias, inclusive, tinham planos ainda mais ousados:
– Nosso projeto era erguer o bar inteiro, da planta baixa ao telhado, só com mãos femininas. Mas esbarramos numa impossibilidade ainda intransponível. Se já é difícil arrumar um homem competente pra instalar uma coifa industrial numa cozinha, por exemplo, que dirá uma mulher!… Em pleno século 21, simplesmente ainda não há a oferta de mão de obra feminina necessária para se levantar um bar -, lamenta Natália.
Natália, aliás, oficialmente responde pelas compras da casa, enquanto Suélen toca o financeiro e Carla, o RH. Na prática, porém, as três estão internadas no Mané Delas desde a inauguração, aprendendo juntas absolutamente tudo sobre a dor e a delícia de se abrir e administrar um boteco no Rio, em especial em Copacabana.
– Em seis meses, já tomamos incontáveis multas, já quebraram duas placas nossas só por maldade, já invadiram o salão de madrugada pra tentar roubar equipamentos, e volta e meia alguns moradores mal-humorados jogam coisas no nosso telhado. Não é fácil. Mas a gente é dura na queda, diz Suélen, apontando para uma das frases emblemáticas que decoram o salão: “Lugar de mulher é onde ela quiser”.
Ao que parece, as donas do Mané Delas estão no lugar certo. Espero que por muito tempo.