Bruno Chateaubriand

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Um divã em Paris

O psicanalista carioca Antônio Quinet desembarca esse mês na França para o lançamento de seu último livro

Por Bruno Chateaubriand Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
14 set 2021, 18h20
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  • Antonio Quinet é médico, psiquiatra, psicanalista, doutor em Filosofia e dramaturgo. É Analista Membro da Escola (AME) de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano. O carioca está de viagem marcada este mês para Paris. Ele lança lá, no dia 16, o livro ‘L’Inconscient Structuré Comme un Théâtre, no Salão da Nouvelles Edition du Champ Lacanien, que fica no Montparnasse, e também vai dar uma palestra no local sobre teatro e histeria. Antes de embarcar, Quinet falou, em um rápido bate-papo, sobre a importância de seu livro e sua relação com a psicanálise e teatro.

    1- A tradução em francês do seu livro, lançado em 2019, é sem dúvida um reconhecimento da universalidade da obra. A que você atribui o interesse para esse lançamento em Paris e como você vê a valorização do seu trabalho na França?

    Desde 2003 que entrei para o mundo do teatro profissionalmente com uma intenção muito clara: transmitir pela via do teatro aquilo que a psicanálise descobre em sua clínica e desenvolve em sua teoria. Eu já estava estabelecido como psicanalista há décadas e já vinha exercendo minhas funções didáticas de formação de analistas e de transmissão da psicanálise. Escrevi, dirigi e atuei em várias das minhas peças de teatro, todas com temas ligados à psicanálise ou baseadas na interpretação psicanalítica lacaniana com minha Cia. Inconsciente em Cena. Em 2013 foi o ano de internacionalização da minha produção com a estreia de ‘Hilda and Freud’, em Londres, no Freud Museum e de ‘La leçon de Charcot’, em Paris, no anfiteatro do  Hospital La Salpêtriére. A partir daí, veio a visibilidade internacional desse meu trabalho e os vários convites do exterior. O livro que lancei em 2019 e que agora está sendo lançado em Paris é o fruto da elaboração teórica dessa prática que articula psicanálise e teatro.

    2- Como você analisa a importância dessa obra para a classe teatral? E para a psicanálise? 

    Para a classe teatral é um livro que fornece diversas ferramentas conceituais da psicanálise (inconsciente, pulsão, sonho, sintoma, identificação, semblante, cena, fantasia, etc) que podem ser utilizadas na análise e montagem dos espetáculos, na preparação dos atores, na construção dos personagens, na distinção entre diversas formas de interpretação e sobre a história do teatro. Para os psicanalistas, desenvolvo ao longo de mais de 400 páginas minha tese de que o Inconsciente é estruturado como um teatro a partir de Lacan e de minha releitura de Freud repassando todos os conceitos psicanalíticos na demonstração desse axioma com vários exemplos clínicos e de peças teatrais. Minha articulação se baseia nas homologias entre psicanálise e teatro.

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    3- No seu livro, você compara a psicanálise com o teatro. E fala que todos nós, seres humanos, somos atores de um drama cujo enredo nos escapa. Por que você acha esse livro de fundamental importância nos dias de hoje?

    O primeiro nome do inconsciente dado por Freud foi “A Outra cena” e Lacan mostrou que somos mais falados do que falamos e mais agidos do que agimos, pois somos determinados por esse “Outro” que nos habita. Assim, repetimos inconscientemente muitas cenas (vividas, fantasiadas e imaginadas) em nossa vida cotidiana sem nos darmos conta. O enredo delas está escrito no Inconsciente. Isso é importante atualmente para nos darmos conta de atitudes que repudiamos, mas que escapam de nós por serem inconscientes. Nos dias de hoje, em que é importante combatermos o discurso excludente,  preconceituoso e supremacista, é fundamental nos darmos conta do Inconsciente machista, racista, homofóbico, classista, capacitista, etc, que cada um herda de seus antecessores que expressam nossa cultura.

    4- É possível relacionar essa incerteza de enredo, autor e história às angústias pelas quais temos passado nessa pandemia?

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    Eu diria que isso se reflete mais devido ao momento político pelo qual estamos passando de incerteza em relação à democracia, aos direitos humanos e aos direitos de cidadania adquiridos do que efetivamente à pandemia. Esta nos arrancou da tentação de negar que somos mortais, vulneráveis e de que a vida é um sopro e nos jogou na incerteza do futuro e na certeza do presente a ser vivido com urgência.

    5- Pela sua experiência como psicanalista, como você analisa o momento atual pelo qual o mundo, e o Brasil em particular, está passando?

    Estamos vivendo sob o império da pulsão da morte, com um governo que faz a apologia da destruição, das armas, do combate e do conflito. A devastação expressa pelo número de mortos pela COVID-19, a destruição das matas e das florestas, dos direitos humanos e  trabalhistas, enfim da civilização é a prova disso. É o mesmo processo que Freud denunciou em sua resposta a Einstein sobre o porquê a guerra: a suspensão da interdição de satisfazer no outro sua pulsão de destruição. Em nome de quê? Do capital. Lacan já havia anunciado nos anos 1970 que o laço social prevalente de nossa época é o discurso capitalista, que é um falso laço social que só usa o outro para explorá-lo. Esperemos que a população e nossas instituições democráticas possam frear essa queda vertiginosa no abismo.

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    6- Cresceu o número de pacientes, suas angústias e seus problemas?

    Sim, o número de demandas de análise aumentou muito na pandemia e fico muito orgulhoso dos meus colegas psicanalistas que prontamente adotaram o atendimento online e responderam prontamente à demanda dos sofredores que diante da pandemia responderam com sintomas, inibições e angústias reatualizadas diante do desamparo, da fatalidade e das perdas de entes queridos, de liberdade e de poder aquisitivo.

     

     

     

     

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