Outro dia fiquei presa em um vídeo de uma jovem que passou em primeiro lugar na faculdade de Medicina após estudar por anos para atingir o feito. Vibrei pela sua conquista segundos após começar a ver o vídeo mas, diferente da esmagadora maioria dos comentários positivos no post em questão, tive uma sensação de estranhamento misturada com a emoção que senti por ela. Essa complexidade de sentimentos se deu por um pequeno detalhe: era ela quem estava se filmando – em tese – desde antes de checar o resultado. Ou seja, o registro mostra desde a sua expectativa em abrir a lista de classificados até o abraço em seu avô, com quem a jovem se encontra na sala logo após sair do quarto. No trajeto entre um cômodo e outro ela estava segurando o celular virado para o seu rosto e continuava filmando as suas reações faciais.
Talvez eu seja chatérrima por problematizar esse fenômeno, mas senão em uma coluna que se propõe a analisar profundamente o cenário digital atual, onde mais você iria refletir sobre isso? Meu incômodo aqui é com a normalização de alguém se filmar reagindo de maneira premeditada e o quanto esse feito pode roubar a espontaneidade do momento, sem que a pessoa perceba. Basta uma explorada no seu feed mais próximo para você se deparar com reações filmadas de absolutamente tudo que puder imaginar. As mais comuns vão desde contar sobre a gravidez para o cônjuge, passando por pedido de casamento surpresa até o reencontro de pessoas que não se viam há muito tempo. Mas essas são só algumas. Há um submundo de categorias improváveis.
A questão é que ao filmar a sua reação em um momento tão importante quanto passar em um concurso, pedir alguém em casamento ou revelar uma gravidez, na verdade quem filma pode estar performando para o outro ver e deixando assim de viver essa sensação de maneira realmente espontânea. É como se no afã de querer que esse momento seja eternizado, na verdade, o momento passar a ser roubado. É o jogo de parecer ser, em vez de ser. Eu entendo que o objetivo final seja guardar o momento ou registrar a reação de pessoas amadas. Mas reagir de maneira filmada, e mais importante ainda, postar esse resultado em seguida, nos traz a conversa de sempre que precede o uso das redes sociais e foi totalmente potencializada após o uso em massa da ferramenta: você está sendo ou performando ser?
Notem, os comentários na maioria dessas publicações são extremamente positivos, em sua maioria, e fico feliz por isso. A internet é lugar de tanto viral com conteúdo violento ou negativo, que esse tipo de postagem é um bálsamo nos dias de hoje. Meu ponto aqui, entretanto, é trazer a reflexão sobre de que maneira e em qual nível de intensidade estamos filmando, fotografando e expondo as nossas vidas pessoais em troca de engajamento? Registrar esses vídeos teria valor se eles não fossem postados abertamente? É algo a se pensar.
Carla Knoplech é diretora da agência Forrest, de conteúdo e influência digital.