Não faz tanto tempo, vinho era seco ou suave, brasileiro ou francês, e olhe lá. Ninguém entendia lhufas de regiões, tipos de uvas, barricas, leveduras, nada. Agora, em cada esquina, há alguém capaz de provocar os mais profundos bocejos na plateia com longas dissertações sobre o uso da madeira na Serra Gaúcha.
Há 30 anos, os vinhos ainda engatinhavam na cabeça do consumidor médio e é exatamente nesse momento em que nosso azeite está, hoje. Poucos conhecem as regiões produtoras, as variedades plantadas, as características de um bom azeite ou por quanto tempo conservá-lo.
E então? O que há de novo?
Sinais.
Desde 2012, o óleo brasileiro vem virando cabecinhas em concursos.
Em 2017, enviamos 3 azeites para uma competição internacional que acontece em Nova York e o Brasil ganhou uma medalha. Em 2018, foram 13 amostras e 5 medalhas e, em 2019, 14 amostras e 11 medalhas. Foram mais de 70 prêmios internacionais nos últimos 5 anos. É inegável: saímos do play.
Nossos esforços não são de hoje. Tentamos entrar no páreo desde 1880, quando os portugueses trouxeram oliveiras para o Sul e Sudeste do país, mas só agora o cenário mudou. Conversando com Marcelo Scofano e Sandro Marques, dois estudiosos do assunto, comecei a entender os porquês.
Foi um conjunto de coisas: produtores com dinheiro e vontade de investir, o apoio de entidades de pesquisa e o próprio cenário gastronômico brasileiro, que passou a enxergar o que é nosso, deram um empurrão no plantio. Tão grande que a produção dobrou nos últimos 30 anos.
Na ponta do consumidor, estamos no início do aprendizado.
Até anteontem, acreditávamos que a palavra “extra-virgem” era sinônimo de qualidade; ontem, já discutíamos o percentual de acidez. Hoje, poucos sabem que a acidez sozinha não faz milagres; o negócio é ter um produto fresco, vibrante, consumido de preferência até 12 meses do envase e acondicionado a fresco.
Ofereci algumas amostras a amigos, só por diversão, das três variedades mais plantadas por aqui – arbequina, arbosana e koroneiki. Arbequina, arrisco dizer, é como uma chardonnay das azeitonas e tem grande potencial comercial. É doce, redonda e frutada e, em geral, a mais facilmente aceita por todos. Dentre estas, prefiro a koroneiki, que faz um óleo picante, provocador, com adoráveis notas herbáceas; um amor assim não tão fácil, já que é rica em polifenóis, o que lhe dá um tom mais pungente e amargo. Scofano também tem apreço a esta variedade que, segundo ele, apresenta aromas mais complexos e melhora ano após ano, no Brasil. Sandro concorda, mas também torce pela ascensão da grappolo, uma variedade pouco explorada e com grande potencial.
Ah! Mas o azeite nacional é caro! – dizem alguns. Caro é conceito relativo quando o assunto é qualidade. Se juntarmos o câmbio nas alturas com a vontade de provar, garanto boas surpresas.
Experimentem, por exemplo, o blend delicado da Irarema, em Poços de Caldas, ou o da Borrielo, na Serra da Mantiqueira, e ainda os azeites do trio gaúcho de produtores – Verde Louro, Costa Doce e Prosperato – que entraram na lista dos 100 melhores no Ranking Mundial EVOO, agora em 2019. Podem me agradecer depois.
Aliás, lembrando que a colheita nacional se dá em fevereiro e março, fica a dica para a Páscoa: um produto nacional recém-colhido regando o seu bacalhau é bem mais interessante do que um importado cansado. Sim. Azeite, o nosso “bróder” também envelhece e morre.
E a colunista traz novidades! Na segunda quinzena de maio, Sandro Marques lança o livro “Extrafresco: o guia de azeites do Brasil”, que dá sequência ao ótimo trabalho de mapeamento que começou no ano passado, quando lançou o primeiro guia nacional. Um ótimo e didático instrumento para iniciantes e iniciados.
Nunca pensei que fosse dizer isso, mas torço intimamente para que 2020 seja o ano glorioso de uma nova espécie de gente: os azeitochatos.