Vimos acontecer em Paris, Atenas, Londres e também nas capitais brasileiras. A turba equivocada e aglomerada na reabertura dos restaurantes não foi privilégio nosso. É feita de gente que se acha invencível, que nega a ciência, de distraídos que seguem a manada ou de inconsequentes que decidiram se presentear com um dia de roleta russa e insanidade temporária em lugares abarrotados, sem máscaras.
Não, ainda não terminou.
Notícias da segunda onda na Europa assustaram a todos. Acreditávamos estar relativamente seguros, já que o vírus não gosta do Verão, mas vimos nos últimos dias um aumento no índice de transmissão da doença e da ocupação de leitos nos hospitais.
O que teria acontecido em novembro?
No lugar de um longo e tenebroso Inverno, tivemos as eleições municipais. Quinhentas mil candidaturas foram às ruas mobilizando mais de 5 milhões de pessoas no Brasil. Pequenos comícios (fui convidada para vários e declinei) aconteceram na casa de amigos. Nas fotos, ninguém mascarado.
A consequência imediata? Só na última semana, o movimento de restaurantes caiu em aproximadamente 40%, graças ao medo de uma suposta segunda onda.
Em Belo Horizonte, por exemplo, onde a eleição se resolveu já no primeiro turno, o índice de transmissão que cresceu na época de campanha já caiu, como explica Paulo Solmucci, Presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). Fosse o comércio o algoz, o índice teria explodido no momento da abertura. Ao contrário, manteve-se estável até novembro.
A má notícia é que, em dezembro, o pagamento do 13º salário e das férias acumuladas, a quitação de bancos de horas, dos empréstimos bancários e outros recursos que ajudaram a maioria dos restaurantes a manter a cabeça fora d’água até a vacina, levarão muitos negócios ao afogamento, bem antes dela.
A paisagem será outra.
As cidades não são desenhos imaginários que criamos no escurinho de nossos quartos. Elas crescem, lenta e organicamente, porque as alimentamos, sempre. São feitas da padaria da esquina, do cinema preferido, do teatro de arquitetura ímpar e daquela livraria ou museu que recheiam a alma. Não se entrega uma cidade por aplicativo.
Minha irrestrita solidariedade a todos aqueles que fazem parte de grupos de risco, ou ainda àqueles que não conseguem vencer o medo de ir às ruas, cruelmente potencializado pelas redes sociais. Mas é preciso refletir sobre a responsabilidade de cada um de nós sobre a paisagem que queremos, sejamos de direita, esquerda ou muito pelo contrário.
Se você não acredita em máscaras, é SUA a responsabilidade por um eventual lockdown, porque seu discurso ultraliberal (“se não quero usar máscara, isso é problema meu”) será sempre limitado pela capacidade do sistema de saúde de seu município, seja ele público ou privado. Você é um vetor da bancarrota.
Se você, ao contrário, está saudável e é cuidadoso, saiba que também não adianta ser ativista do sofá. É sua a responsabilidade de garantir a cidade que quer para 2021.
Não adianta acreditar que Paris estará lá, por exemplo, a despeito de seus moradores. Quer uma cidade com museus? Frequente-os com segurança. Quer uma cidade com comércio de bairro? Consuma localmente. Quer teatros e cinemas? Participe de benfeitorias e compre ingressos online. Quer uma cidade com restaurantes? Frequente em horários e dias tranquilos aqueles nos quais confia.
Garanta o negócio de quem emprega porque os quatorze milhões de brasileiros sem salário ou esperança não estão nem aí para o nosso posicionamento político, e esse número poderá explodir no mês que vem, graças ao nosso grande “far niente”.
Como diria meu pai, podemos esperar dos governos a verdade, decência, seriedade, dedicação e um pouco de competência, mas não o milagre de resolver aquilo que depende de nós. Em resposta ao aumento da ocupação dos leitos, prefeitos e governadores podem se ver obrigados a restringir, mais uma vez, horários de funcionamento do comércio ou circulação de pessoas.
De nada adianta acordar em 2021 com as carcaças dos negócios que um dia fizeram a nossa cidade. De nada adianta achar que nós, individualmente, não temos a obrigação de construir o lugar em que vivemos.
Use, frequente e mantenha vivo o desenho da cidade que quer ver no ano que vem, sempre com absoluta segurança. Seja o respirador da sua cidade, alimentando sua economia, boca a boca.
Felizmente, você tem tudo a ver com isso.