Cristiana Beltrão

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Saudades da Europa?

Comece por Santa Teresa

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13 nov 2020, 14h25
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  • Chove fraquinho e ouço o apito de um navio que não avisto. Está tudo muito esquisito. Que navio é esse? Tem navio circulando? Parece o apito de um cruzeiro de luxo, não um cargueiro… daqueles com nome “princesa”, “diamante”, arranha-céu do mar.

    A chuva agora grita, quicando nas ruas vazias, e a maresia, cansada de corroer os metais da minha casa, decidiu entrar forte pelas narinas e me corroer, também, aos poucos. Pareço um bicho urbano alerta, que sente e ouve melhor as coisas, tão adaptada que ando às paredes da minha casa. Só que o bicho que mora em mim nunca funcionou confinado.

    Minha alegria agora é sair em horários esquisitos para lugares improváveis a fim de coisas que não me permitia. Assim caço um tanto de vida.

    A pandemia fez tudo que não faz parte do meu bairro parecer improvável. Houve tempo em que me deslocava muito e animadamente, mas de uns anos para cá me sentou na corcunda uma boa dose de preguiça. Acordei tarde? Só saio perto de casa. Trabalhei demais? Saio perto de casa. Veio a peste? Nem saio.

    Ando tão inerte que nem ambiciono ter saudade de viajar. Tenho saudade, mesmo, é de fazer planos.

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    Acho que foi um comprimido de zinco misturado com raras oito horas de sono que me fez querer sair da toca e buscar qualquer canto que me lembrasse a Europa. Felizmente, bastou subir a Estrada do Corcovado que a temperatura começou a descer, como prometia aquele improviso europeu. Chegava em Santa Teresa.

    O bairro precisa da fome de um domingo, garanto, porque o que não falta é desdobramento de desculpas: “vamos tomar um café da manhã no Térèze? Tem aquela vista, além das frutas, panquecas de figo com mel, iogurte artesanal e granola idem. Depois das torradas Petrópolis com manteiga e geleia de cupuaçu, caminhamos até a escadaria Selarón (presente lindo e louco de um chileno para a cidade) e, no sobe e desce, queimamos tudo.

    A caminhada vai render salvo conduto e um pretexto para a caipirinha no lindo Armazém São Thiago, que fez 100 anos em 2019, ou uma cerveja na Adega do Pimenta. Mas são 11:30hs da manhã! Já pode beber? Claro. Basta caminhar bastante pelas ruas e rever as casas de Manuel Bandeira, Pixinguinha, Carmen Miranda e Nise da Silveira. Acho que aí tem perdão.

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    Mas a ideia original era chegar meio-dia em ponto no Bar do Mineiro. Onde mais se come feijoada com couve, alho e torresmo, cercado de arte popular e ouvindo música clássica? Desconheço.

    Não fosse a pandemia, ainda esticaria no chorinho do Parque das Ruínas ou no Museu Chácara do Céu. É Europa? Não é. Bem conservada? Tampouco. Mas ainda é bairro de intelectuais, acadêmicos e artistas, com casarões e mansões do século XIX, casas lindinhas dos anos 30 e luminárias antigas sobre as ruas com paralelepípedo.

    Santa Teresa era a viagem que eu precisava e, mesmo de máscara, respiro melhor por lá. Já a caminho de casa, cruzei com o bonde e me despedi do bairro que colocou minha alegria de volta nos trilhos.

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