Ah, os problemas dos outros!…
Tomamos uma bela rasteira e fomos parar lá embaixo, arrebentados e com o olho roxo no pé da “pirâmide das necessidades”.
Era criança quando ouvi falar, pela primeira vez, do tal Maslow que dizia: sem segurança, saúde ou emprego, não se consegue desejar o resto. Desgraçadamente, não temos nada disso.
Abro os jornais e vejo a Alemanha, quarta potência econômica mundial, ícone do livre mercado, querendo aumento de preços. Estariam loucos? Problema de rico?
Era fevereiro quando li, pela primeira vez, que Angela Merkel andava questionando os preços muito baixos da carne (e alemães estão entre os maiores consumidores do mundo), o que devia significar que o “valor justo” poderia não estar sendo repassado aos fazendeiros, abatedouros e tal. O varejo concentrado em poucos supermercadistas poderia estar esfolando as margens de quem está abaixo.
Vem o fim do isolamento e o problema se escancara, com o aumento exponencial de pessoas contaminadas pelo Covid-19 nas unidades de abate, revelando condições insuficientes de higiene e trabalho. O mesmo aconteceu nos Estados Unidos: 20 abatedouros e unidades processadoras, inclusive a filial americana da “nossa” JBS, fecharam nos últimos 30 dias, por tempo indeterminado. As gôndolas não andam pro bicho, nem para a gente.
E nós?
Voltamos 50 casas no tabuleiro mundial. Causas como abate sem dor ou pesca sustentável, que discutíamos um mês A.C. (Antes do Corona) deixarão de ser prioridade num Brasil desempregado e sem segurança. Agora é dedo no olho e cotovelo no queixo pra sobreviver.
Ademais, turismo e entretenimento só existem quando sobra dinheiro no bolso. Quando será?
Corta a cena e vejo a foto no Instagram de um amigo de Lisboa filetando um peixe galo de 2,3kg. Viu sobrar, depois da limpeza, apenas uns fiapos da carne. Fez foto do bicho inteiro e do mísero resultado e deu um recado: não é possível que clientes se queixem do preço alto do peixe quando não percebem as perdas reais, nos bastidores.
Restaurantes preocupados em entregar produtos com segurança, inclusive para seus funcionários, mantendo bons fornecedores e pagando o preço justo aos agricultores, não terão como diminuir margens; vão apenas fechar.
Consumidores que querem “qualidade”, termo muito vago para contemplar toda a novela, devem visitar a porta dos fundos das marcas.
Por trás da cadeia alimentar há muito mais perdas, para além das cartilagens e ossos. Há, por vezes, a morte do pescador.