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Cristiana Beltrão

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Sonhei que viajava para o Rio

Ser um turista na própria cidade é uma bênção

Por Cristiana Beltrão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 3 ago 2020, 14h23 - Publicado em 1 ago 2020, 19h48
Antes um Rio desconfinado. Hoje um Rio desconfiado. (Cristiana Beltrão/Arquivo pessoal)
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Será que o tamanho da felicidade se mede na hora em que ela acontece?

Sempre fui muito grata por tudo. Faço o que amo – apesar da pilha de noites em claro e receitas médicas que me trouxe até aqui – e sempre viajei muitíssimo, especialmente quando o trabalho me empurrou.

Desde o primeiro contracheque, me perguntava: e se tudo der errado? Que pequenos luxos não consigo abandonar se tiver de começar do zero?

A resposta foi sempre a mesma: “restaurantes, vinhos e viagens”. Se a canoa virar, eu desço vários degraus. Posso me agarrar num vinho de garrafão, comer num boteco novo ou viajar até o quarteirão mais próximo, mas preciso mudar de lugar e o vinho me ajuda a voar.

Eis que um dia tudo deu errado, de fato…. no trabalho, na saúde, no Mundo.

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Cercada de tanta miséria, de tanta gente passando fome e poços tão mais fundos, tratei de me concentrar nas bênçãos do isolamento: entender melhor a cabeça dos filhos e dormir em paz, sem vê-los zanzando pelas ruas na madrugada; não ter de trabalhar tanto e sempre; falar alegremente com as plantas; ver minha mãe com saúde.

Nesses dias trancafiados, marinando o medo, o jeito foi viajar nos livros e tentar caber na tripa de sol da janela, enquanto era torturada pela memória sádica das redes sociais: “você tem uma nova lembrança”. Eu, que nada! Foi você, algoritmo covarde, que despejou em mim a saudade! Não queria ver o mar do Nordeste, aquela praça na Europa ou a codorna recheada de alegrias gordas.

Será que estávamos, mesmo, mais felizes? Ou será que agora estamos mais tristes e por isso avistamos as memórias de lá, do fundo do poço?

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Vai ser só um mês de confinamento!, vão ser só dois, talvez só três… A verdade é que o teto está mais baixo, mas ainda dá pra voar, mesmo entre quatro paredes.

Não dá pra visitar praias, parques ou museus ainda, nem sonhar com longas viagens de carro (com tanta cidade fechada) ou juntar dinheiro para visitar bistrôs em Paris. Decidi que meus sonhos momentâneos cabem na segurança de hotéis responsáveis, dentro da minha cidade. Por que não?

Grande parte da alegria de viagem é chegar num quarto novo, olhar por outra janela, dormir em lençóis macios e não precisar lavar a louça.

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Então vou sonhar grande.

Quem precisa da Itália? Farei planos de aniversário no Copa, com a comida maravilhosa do Nello Cassese, do Cipriani e acordarei com a vista para a piscina de 1934.

Vou me dar uma tarde no spa do Hotel Santa Teresa (antiga fazenda de café de 1850), avistar a cidade do alto e tomar ótimos drinques no Bar dos Descasados.

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Passarei uma tarde preguiçosa de sol numa das varandas lindinhas do Hotel Arpoador e encomendarei um jantar do delicioso Arp, na segurança do meu quarto.

E por aí vou…

Passei 22 anos vendo os turistas de passagem pelo meu restaurante celebrando a alegria de estar no Rio de Janeiro. Acordei trancada por 135 dias numa das cidades mais cobiçadas do mundo e nem percebi.

Amanhã eu acordo diferente.

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