Criar um prato inesquecível, ao contrário do que muitos imaginam, não é o sonho de um chef.
A alegria que o cozinheiro sente ao descobrir que seu prato virou um grande sucesso é diretamente proporcional à angústia que viverá, anos depois, ao perceber que nenhuma outra criação sua fez sucesso equivalente.
Os amigos contribuem para a tortura:
– Nossa! Estive no seu restaurante e pedi aquele frango maravilhoso!
– Gente! Voltei porque estava sonhando com o frango!
– Olha, eu adoro tudo que você faz, mas o frango…
– Finalmente! Trouxe minha mãe aqui só para comer o frango!
– É dia do nosso aniversário de casamento! Adivinha o que vou pedir? O frango!
– Pode trocar tudo no cardápio, mas o frango…
Num momento de revolta, o chef ensaia tirar o prato do cardápio. O gerente vem com a planilha e mostra que o frango foi a carne mais vendida dos últimos 2 anos, o dobro do segundo colocado e aponta ligeira queda de faturamento; o maître cruza com frequentadores antigos pela rua e descobre que juraram não voltar desde que o frango saiu do menu; os garçons rezam pelo seu retorno e os clientes ameaçam apedrejar a fachada.
É como o cantor que não aguenta mais ter que fechar o show com aquela música antiga e, ainda por cima, aturar o bis. Ele já está noutra, adora que adorem, mas evoluiu, mudou, aprendeu. Acha que aquela canção foi ótima, mas no fundo acredita que cinco outras, bem menos famosas, são muito melhores e (elas sim!) deveriam estar na boca do povo.
E, assim, o frango ganha a guerra e volta pela porta da frente, vitorioso.
A saga continua: o restaurante ganha o prêmio de melhor prato de frango; só dá o bicho no Instagram; o chef sai na foto segurando um frango pelas pernas, faz pose beijando o frango, se veste de frango, o diabo! E o chef segue ruminando a raiva do prato todinho, daquele acompanhamento meio datado, da montagem mais velha que sua avó, dos ingredientes que saíram de moda. Então ele dobra, triplica o preço… não adianta. O cliente se apegou e é tarde.
Que raiva do frango!
A mágoa dura, em média, 20 anos. Acreditem… já conversei com muito chef para entender que é a mais pura verdade.
Resignado, o autor faz as pazes com sua criação que, a essa altura, já tem participação nos lucros e fez amigos famosos. Melhor morrer agarrado.
Agora, imaginem quando o sucesso dura 100 anos?
Pensava nisso há uns dias, quando aterrei em Tijuana, no México, de passagem para o Valle de Guadalupe. Pois é… ali foi criada a salada Caesar, que completa o centenário (talvez) no ano que vem.
Para quem não conhece a história: era uma vez um empresário de restaurantes chamado Cesario Cardini, que tinha um restaurante em San Diego, que, como tantos outros nos EUA, perdeu muita receita com a Lei Seca de 1920 e foi obrigado a fechar as portas.
Cesario então percebeu que os americanos tinham passado a cruzar a cruzar a fronteira para encher a cara no México e entendeu que o negócio era abrir um restaurante bem pertinho dos EUA, em Tijuana, para acolher os sedentos: nasce o Caesar’s Restaurant Bar, há exatos 100 anos.
A versão mais popular da história é que, no dia 4 de julho (não se sabe se de 1924 ou 1927), com a casa abarrotada por conta do feriado da Independência dos Estados Unidos, os ingredientes foram acabando. Foi então que se improvisou uma salada no salão com o que ainda havia. Há quem diga que um outro funcionário da casa tenha criado o prato ou, ainda, que o irmão de Cesario, Alex, teria inventado a receita antes. Não importa, dali veio o batismo.
A salada original tinha apenas 10 ingredientes: alface romana, alho, suco de limão, molho inglês, ovo, parmesão, azeite, sal, pimenta e uma única fatia de pão torrado por cima.
Desde então, as pessoas continuaram voltando por mais de 80 anos e a receita ganhou o mundo. Ainda assim e, mesmo pendurado no sucesso do prato, o Caesar’s teve de fechar as portas em 2009 por problemas financeiros.
Corta a cena.
Não tive tempo de conhecer o Caesar’s, mas quis o destino que, no dia seguinte da minha passagem por Tijuana eu fosse apresentada ao chef Javier Plascencia e sua família, em seu excelente restaurante Animalón, sobre o qual escrevo mais tarde.
Javier é, sem dúvida, um dos chefs mais emblemáticos e talentosos do país e proprietário de várias casas, mas não sabia que havia trabalhado no Caesar’s quando jovem, nem que tinha comprado e reformado o restaurante, em 2010, para preservar o local e sua tradição.
Fiquei pensando na força imensa desse prato: ficou no cardápio por décadas, conseguiu sair porta afora e ainda ganhou inúmeras versões em todos os continentes do planeta. Um prato tão guerreiro que conseguiu… reencarnar!
Taí uma salada que merece todo o meu respeito. Com certeza o cardápio de Javier tem um milhão de outros itens mais interessantes, dado o talento indiscutível do chef, mas sei que vou voltar a Tijuana só para gritar “Ave Caesar!” e, por que não?, pedir bis.
Se eu fosse você, ia junto. Porque clássico é classico (e vice-versa).