Cristiana Beltrão

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Turismo Rural

Um luxo possível no Brasil pós-isolamento

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Atualizado em 11 Maio 2020, 17h37 - Publicado em 11 Maio 2020, 16h51
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  • A verdade é que no fim disso tudo sairemos pelas ruas como cães que correm em círculos, com aquela alegria desorientada, babando com a língua pendurada para fora, excitados e aos galopes, até cansar.

    Depois de pularmos um tanto, a euforia dará lugar ao medo. Veremos nossos amigos? Claro. Mas pessoas deverão ser consumidas em doses homeopáticas (umas gotinhas de gente de cada vez), ao menos até a chegada da vacina.

    Os voos caros (hosana e o câmbio andam lá nas alturas), as fronteiras fechadas, e o desejo de ficarmos perto de nossos médicos em caso de emergência, mudarão todo o curso do turismo. Viajaremos por pouco tempo e para perto. É hora de pensar no mato.

    Nesses dias de isolamento conversei muito com o povo das fazendas. Por lá, tudo anda quase normal: há atividade física em campo aberto, com pessoas distantes umas das outras e ainda por cima saudáveis, com toda aquela comida fresca sem o tempero da paranoia. Minhas conversas com o mato são como um filme de realismo fantástico: “o curioso caso do sonho que já existe”. Sonho que a gente fez questão de esnobar, não desenvolver, não aparelhar.

    No campo, infelizmente, não há boas estradas, boa comunicação, sinalização ou estrutura hoteleira… aquela “última milha” que depende de Governos míopes. De resto, temos tudo.

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    O êxodo rural que o Brasil experimentou nos últimos 50 anos, em termos proporcionais, foi dos maiores do mundo. Está na hora de botar a marcha a ré e quem sabe, ganhar nas duas frentes.

    O mundo vai buscar lugares de baixa densidade demográfica, e se tem um troço que a gente sabe fazer é agricultura, até porque a Embrapa é uma instituição invejável na capacitação de pequenos e grandes produtores. Preparados já estamos, para produzir. É hora de nos aparelharmos para receber.

    Os programas, a exemplo do que existe lá fora, não precisam ser caros. Já comi aspargos selvagens crus arrancados da terra, numa fazenda na Sicília, pertinho do vulcão Etna;  já catei alcaparras pelos muros das fortificações de Valetta, em Malta e aprendi sobre suas inúmeras invasões;  já comi chorizo verde, um dos poucos tipos não industrializados e que que só se encontra em Toluca – perto da Cidade do México – na beira de uma estrada;  já comi “kuchen” de framboesas numa trilha do Parque Huerquehue, no Chile, com crosta quebradiça de cereais, tudo plantado e colhido ao redor da trilha, pelos descendentes de imigrantes alemães. Já fiz uma infinidade de pequenos passeios a pé ou de carro, inesquecíveis.

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    O turismo rural, me desculpem o trocadilho, é prato cheio pra quem gosta de cultura e comilança, e pode ser a solução para todos nós, visitantes e visitados, até porque uma vez que o cliente se encanta com o produtor, é fidelizado para sempre.

    Roteiros por nossas fazendas de café, um circuito pelos melhores produtores de azeites brasileiros (já que recebemos mais de 70 prêmios internacionais nos últimos 5 anos), visita a fazendas marinhas que estão com as águas ainda mais límpidas nestes tempos de freio, com foco em preservação, são algumas das inúmeras possibilidades.

    Quem faz isso muito bem é o povo do vinho, mas esse turismo de ingrediente, em roteiros com pouca gente e baixo impacto ambiental, poderia fazer do Brasil uma referência para o resto do mundo. De quebra, ajudaria os pequenos agricultores a se reerguerem e não interromperem o ciclo de abastecimento.

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    Muita gente compara o efeito devastador do coronavírus com a Grande Depressão, e é lá mesmo que a gente tem que se inspirar. Uma das belas e eficazes soluções de Roosevelt, à época, foi a criação do Civilian Conservation Corps, nos EUA, um corpo de conservação ambiental que conseguiu aproveitar grande parte dos desempregados. Num esforço de poucos anos, 8 bilhões de árvores foram plantadas e a herança foi um sistema de trilhas que corre por todo o país e existe até hoje.

    Me lembrei da trilha Transcarioca, recém-concluída, em área urbana. São 180km que saem de Barra de Guaratiba até o Morro da Urca. É a oportunidade da gente se isolar do lado de casa. Por que não investir no turismo pedestre? Na Europa, esse turismo, como o caminho de Santiago leva ao turismo de 400 mil pessoas ano. Eu criaria tropas agroflorestais, ambientais, meu tipo de exército!

    O fato é que, até a vacina, não conseguiremos viver sem uma fuga de nosso dia-a-dia. O dinheiro vai estar curto, a saúde estará em risco e nosso “prêmio” mudará de cor, mas sempre vai existir. Está na hora da gente (rica, pobre, pública ou privada) acordar… com as galinhas.

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