
Nós, cariocas, costumamos tratar os negócios locais como se fossem uma extensão de nossa casa. Opinamos sobre horários de restaurantes, somos reativos a regras, queremos mudar acompanhamentos dos pratos, aumentamos ou diminuímos o número de pessoas sem prévio aviso, chegamos atrasados e ainda queremos um tratamento especial.
Chega o Carnaval e vem o espanto: “Por que diabos tem um francês na ‘minha’ mesa?”
Costumávamos entender os dias, horas e humores de cada casa, mas o crescimento impressionante do turismo estrangeiro no último ano, vem surpreendendo os distraídos. De acordo com vários donos de restaurantes, o número de turistas internacionais aumentou entre 15% e 25%. Naturalmente, a coisa fica ainda maior no Carnaval, especialmente nas Zonas Centro e Sul da cidade, onde se concentra a folia.
Lara Atamian, do italiano Grado, comemora “o momento mais aquecido da cidade, desde que abriram, em 2017”. Sua casa tem recebido muitos americanos, franceses e italianos, atrás dessa cozinha que é sempre “uma casa fora de casa”.
Aliás, estar num país diferente, com uma língua tão complicada como o português, e com uma gastronomia tão desconhecida no exterior, faz com que clientes voltem várias vezes a um dado restaurante na mesma viagem, quando se apaixonam pela comida.
É o que acontece com Roberta Sudbrack, em seu Sud O Pássaro Verde, que conta que é comum voltarem na mesma semana, especialmente porque, segundo a chef, “reconhecem a excelência no uso dos ingredientes, no conhecimento das técnicas e na escolha por produtos artesanais locais”. É fato.
Segundo Bruno Tolpiakow, do Satyricon, é quase impossível alguém vir do exterior sem reservar. Como seu restaurante é muito grande e os clientes habituais já conhecem os intervalos com alguma capacidade ociosa, não percebem que o jogo mudou e acham que basta aparecer. Surpresa! Dão com uma fila na porta. “Estamos muito lotados, mesmo antes do Carnaval e muito acima dos anos anteriores. Quem não reserva, se sujeita a longas esperas.”, diz Bruno, que também tem notado um crescimento do público asiático que vem sempre em grandes grupos, buscando peixes vivos, cabeças de lagosta e que tais.
Já em restaurantes pequenos, com menu degustação focado em produtos de excelência, como é o caso do Trégua, em Laranjeiras, ou o Lasai, de Rafa Costa e Silva, no Largo dos Leões, já faz tempo que o público entendeu que é preciso planejar a fome com muita antecedência, para concorrer com os turistas.
Na Rua Arnaldo Quintela, em Botafogo, há dias em que parece ser necessário reservar um espaço, até para andar na calçada. O “hype” está impossível, especialmente depois da rua ter sido eleita uma das mais “cool” do Mundo pela revista Time Out, no ano passado. Ontem, era um mundo de alemães, franceses e americanos. Ouvia-se tudo, menos português. Conversando com Gabriela Teixeira, sócia do Belisco, casa de bons vinhos naturais, orgânicos e biô e ótimas comidinhas, na mesma rua, a grande dificuldade é achar funcionários bilíngues. Hoje, tem apenas uma funcionária que fala inglês, mas sente que precisa reforçar o time.
Por conta da localização, há quem esteja mais preparado. É o caso do Lúcio Vieira e dos seus Lilia, Braseiro Labuta e Celeste, no Centro histórico do Rio. Suas casas são cheias da identidade carioca buscada pelo turista: carnes e embutidos feitos na brasa, vinhos brasileiros, drinks, peixes da nossa costa, legumes e frutas da época e ostras em todas as preparações. Além do produto atraente, o serviço conta com uma turma de peso: um chefe de fila, Honey Macedo e 3 garçons bilíngues, sendo Victor Nery também estudante de História, que adora trocar informações com clientes estrangeiros, sempre muito interessados na cultura local, e Bruna Reis, garçonete e dublê de mestranda em relações internacionais pela PUC, que fala inglês, espanhol, francês e está aprendendo mandarim. À noite, Luiz Henrique, ganhador do prêmio “Melhor Garçom pelo Gastronomia Preta 2023”, também se vira bem no inglês, além de ser sommelier. Timaço.
Pois é… O mundo descobriu nossa cidade. Os guias e rankings colocaram nossas mesas no radar mundial e, para a sorte dos turistas estrangeiros, o câmbio nas alturas fez das casas de excelência do Rio de Janeiro, um programa muito barato.
Empresários de gastronomia já estão mudando suas estratégias, reforçando parcerias com hotéis e oferecendo mais produtos e bebidas locais. Garçons de casas que acolhem bem o turista confessaram já estar cheios de dólares e euros, em gorjetas para trocar (aliás, bem mais gordas do que as nossas).
É bom ficar ligado, senão… quem foi ao ar, perdeu o lugar.