Ainda dava pé, mas só com a pontinha dos dedos. Tinha uns 9 anos. A água me ninava, gelada, meus braços giravam, abertos; estava quase boiando e me virei para a costa. Tentava avistar os amigos e mostrar que já ia bem longe, valente, quando ouço uns gritos: “É ela! É ela!”. Ela quem?… Um mundaréu de olhos se pregava em algo atrás de mim. Torci o pescoço e a muralha imensa de água me ameaçou e calou lá do alto, ainda armada, antes de desabar sobre minha cabeça.
“ELA” era a onda perfeita e gigantesca, cobiça de surfista.
A massa violenta me encravou no fundo, enquanto todo um oceano me era enfiado boca adentro, sal em brasa. Rolei submersa agarrada na espuma como um pião desgovernado, sem entender o que era superfície, norte ou sul. Quando achei que ia acabar, já sem fôlego, me pisaram as costas, atropelei umas pernas e tentei me agarrar em outras. Por fim, arrastada, arranhada e quase perdendo os sentidos, estacionei exausta junto aos pés da criança loirinha e gorducha que chorou com a minha chegada.
Me sentei ainda frouxa e tonta, olhos arregalados de quem encarou a morte, e aspirei o ar com um urro sem que nenhum amigo visse nada. Achei que ia chorar, alguém me chama pra brincar. Antes que pudesse contar qualquer coisa, vejo o sorveteiro que abastecia minha coleção de palitos com ‘sei lá o quê’ escrito. Chamei “Ô, picolé! Ô, picolé!!” e engoli o sorvete, ansiosa.
No palito, os dizeres: “vale outro picolé Yopa”. Gritei de alegria!
Comida sempre foi troço que me arrancou da fossa. Vai ver foi por isso que escolhi viver uma vida ao redor da mesa. Alimentação, transformações na gastronomia, o gosto do passado, do futuro e tendências no mundo dos restaurantes são meus temas de pesquisa há mais de 20 anos.
Nossas escolhas não serão mais simples, nossos desafios serão imensos. Aquela frase de avó: “não deixe comida no prato! Tem tanta gente passando fome no mundo!” nunca esteve tão atual.
Mudanças drásticas na alimentação fora e dentro do lar acontecerão nos próximos anos e estou aqui para contar.
Precisaremos alimentar 10 bilhões de pessoas em 2050, com qualidade nutricional, diversidade de produção e sustentabilidade. Parece difícil? É. Mas acredito que com perseverança, informação e educação, reerguemos uma cidade, transformamos o mundo.
A volta da Veja Rio é como a lembrança desse dia na praia: vem tombo, caldo, crise e afogamento como uma onda assim do nada, mas o negócio é levantar, sacudir a areia e focar no sorvete.
Cristiana Beltrão é restauratrice e proprietária da marca Bazzar de Alimentos. É pesquisadora dedicada e palestrante nas áreas de gastronomia e alimentação há 20 anos.