Daniel Sampaio

Por Daniel Sampaio: advogado, ativista do patrimônio, embaixador do turismo carioca e fundador do Instagram @RioAntigo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
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A história de Bárbara dos Prazeres, a “Bruxa do Arco do Teles”

Conheça uma história macabra que mistura fatos e lenda, sobre a mulher que teria aterrorizado o Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX

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Atualizado em 4 nov 2020, 12h30 - Publicado em 30 out 2020, 19h01
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  • Em 1790, Bárbara Vicente de Urpia, uma bela jovem portuguesa de 20 anos de idade, chegava ao Rio de Janeiro, capital do Vice-Reino, acompanhada de seu marido, Antonio de Urpia, fidalgo português. O motivo da vinda do casal para o Brasil é incerto. Uma versão diz que Bárbara teria envenenado a própria irmã em Portugal e sua vinda ao Rio seria uma forma de despistar as autoridades. Outra dá conta de que a moça teria uma relação extraconjugal — aprovada pelo marido — com um nobre português de altíssimo escalão que teria enviado o casal para a colônia a mando de autoridades ainda mais importantes.

    O fato é que a beleza de Bárbara chamou a atenção da sociedade carioca, que abriu as portas dos salões da elite para o casal, bem relacionados que eram com o Vice-Rei, o Conde de Resende.

    Bárbara atraía os olhares libidinosos de praticamente todos os homens da elite, mas foi mesmo se apaixonar por alguém do povo, um homem negro livre, que teria conhecido em uma serenata. Cega de paixão, e decidida a viver seu romance, Bárbara teria matado seu marido a sangue frio, com uma punhalada na nuca, enquanto ele dormia.

    Tendo supostamente conseguido acobertar a autoria do crime, Bárbara, agora viúva, perde o acesso à corte do Vice-Rei. Poucos acreditaram, aqui e em Portugal, em sua inocência, até mesmo por causa da descoberta de detalhes suspeitos da morte criminosa de sua irmã, anos antes. Consta que as autoridades, pressionadas pelo Vice-Rei a encontrar um bode expiatório, teriam acusado e executado um homem que vivia pelas ruas — cigano ou negro, segundo registros divergentes — pelo assassinato do fidalgo.

    Caída em desgraça, Bárbara foi viver com o seu novo amado, em pecado, para os lados da Cidade Nova, uma região distante e de péssima fama. Na virada do século XIX, Bárbara teria então assassinado também o amante, em meio a uma tensa discussão, agravada por ciúmes e por questões financeiras. Outra vez, Bárbara livrou-se de qualquer acusação. E mais um “usual suspect” foi capturado e executado.

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    Ainda cobiçada pelos homens da sociedade, a viçosa viúva passou a buscar seu sustento na prostituição. Tornou-se a favorita de ricos comerciantes, funcionários da Coroa e até de Bispos. Com a chegada da corte real portuguesa, em 1808, passou a atender a nobreza e, dizem, até mesmo membros da Família Real. Foi viver na requintada Rua do Lavradio, onde recebia visitas sigilosas de homens misteriosos e elegantes.

    Com o passar dos anos, teria contraído doenças, como a sífilis, a lepra e até a varíola, quando foi, em 1825, até a Cisplatina, atual Uruguai, para servir os combatentes. Bárbara havia perdido sua beleza e juventude. As sequelas das diversas enfermidades haviam lhe conferido um ar assustador. Cabelos desgrenhados e secos, verrugas e hematomas, além dos dentes quebradiços. Já não conseguia mais dinheiro, pois seus clientes a haviam abandonado.

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    O Arco do Teles, no início do século XIX, um reduto de mendicância, crime e prostituição, em meio a ruínas de um incêndio ocorrido em 1790 – ilustração publicada em jornal da época – (Google/Reprodução)

    Não teve outra escapatória senão de vender-se no Arco do Teles, hoje um belo logradouro nas proximidades da Praça XV, no Centro do Rio, muito visitado por turistas e locais — um símbolo ainda preservado do Rio Antigo. Naquela época, era um beco fétido em meio às ruínas de um grande incêndio que, em 1790, transformou o cobiçado local em reduto de prostitutas e mendigos, onde, por dois vinténs, qualquer um podia se servir das “cantoneiras”, mulheres que tinham relações sexuais nos cantos do beco.

    Como não agradava mais aos homens, “Bárbara dos Prazeres” — cujo apelido se deveu a uma imagem de Nossa Senhora dos Prazeres que havia no beco, e que Bárbara escolhera como sua protetora — foi buscar ajuda com feiticeiros e praticantes de magia negra. Saía dessas “consultas” com receitas macabras. Devia banhar-se com sangue fervido de animais, a fim de curar sua lepra e tornar-se jovem e bela novamente. Porém, nada parecia funcionar.

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    Foi então que um feiticeiro lhe sugeriu algo que seria supostamente infalível: em vez de animais, Bárbara deveria usar crianças para banhar-se em seu sangue ainda fresco e morno. Nos idos de 1828, o Município da Corte passou a registrar uma série de desaparecimentos de crianças, cujos corpos nunca eram descobertos.

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    A roda dos enjeitados, em ilustração anônima – (Google/Reprodução)

    O pânico espalhou-se na Corte. Crianças já não andavam mais desacompanhadas e muitas famílias passaram a trancar seus filhos e filhas em casa, com medo do pior. Foi aí que, segundo os relatos, Bárbara teria passado a roubar recém-nascidos na “roda dos enjeitados” da Santa Casa de Misericórdia, uma portinhola giratória usada para que os frutos de partos indesejados pudessem ser deixados ao cuidado das freiras. O abandono de bebês na Santa Casa diminuíra drasticamente, o que logo se associou à crueldade da “bruxa”.

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    Em 1830, um corpo de mulher apareceu boiando na baía, ao lado do Mercado do Peixe, na atual Praça XV. Seu rosto estava desfigurado e irreconhecível, mas todos pareciam ter certeza de que era Bárbara. Afinal, os sumiços de crianças haviam cessado há alguns dias. 

    Não se sabe ao certo quanto dessa história de fato ocorreu e quanto foi aumentado pela criatividade da população. Muito dessa lenda pode ter sido inventado. Mulheres que ousavam viver suas vidas sem marido, fora dos padrões, eram constantemente acusadas de bruxaria e, até mesmo, de crimes que eram cometidos por homens, muitas vezes da alta sociedade.

    Mas a lenda de Bárbara dos Prazeres sobrevive e, até hoje, há quem jure “de pé junto” que, no Arco do Teles, quando todo o comércio está fechado e não há mais o movimento de bares e boates, seria possível escutar as gargalhadas de uma mulher, em noites sem Lua.

    *Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado, memorialista e ativista do patrimônio. Criador do perfil @RioAntigo no Instagram.

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