Em 1907, o sanitarista Oswaldo Cruz e sua equipe receberam a medalha de ouro no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim, na Alemanha, em reconhecimento pelo trabalho de saneamento da cidade do Rio de Janeiro — Capital Federal à época —, processo que culminou com a erradicação total da peste bubônica e da febre amarela naquele mesmo ano.
O então Instituto de Patologia Experimental de Manguinhos consolidou sua reputação internacional e atraiu uma legião de discípulos e apoiadores pelo mundo afora. Inúmeros cientistas estrangeiros de renome passaram pela nossa Cidade para ter a oportunidade ímpar de trabalhar na instituição.
Na fotografia em destaque, de autoria de J. Pinto, tirada no ano de 1908, vemos o próprio Oswaldo Cruz, no interior de uma charrete, acompanhado de um grande grupo de cientistas estrangeiros recém-chegados ao Brasil para atuar na entidade, naquele momento já rebatizada como Instituto Oswaldo Cruz.
Entre os fotografados, estão os cientistas alemães Gustav Giemsa e Stanislau Von Prowazek, ambos oriundos da Escola de Medicina Tropical de Hamburgo. O mundo vinha ao Rio de Janeiro para avidamente aprender com os cientistas brasileiros.
Podemos ver, ao lado direito, ainda em construção, o Pavilhão Mourisco, palácio ícone da atual Fundação Oswaldo Cruz, onde hoje funciona o maravilhoso Museu da Vida da Fiocruz. O arquiteto Luiz Moraes Junior se inspirou em elementos neoárabes para projetar os traços do castelo da Fiocruz.
Essa instituição brasileira tão respeitada, referência mundial em ciência e tecnologia, fez 120 anos no dia 25 de maio. Fundado em 1900, durante o governo do presidente Campos Sales, o Instituto tinha como missão, inicialmente, produzir soros e vacinas para a peste bubônica, mas depois expandiu seu campo de atuação para abarcar os demais desafios da saúde pública no Brasil.
Oswaldo Cruz recebeu super poderes do governo federal e foi radical em sua luta contra os vetores das doenças que afligiam nossa população. Contra a febre amarela criou as “brigadas mata-mosquito”; contra a peste bubônica, pagou à população por cada rato — vivo ou morto — que fosse capturado; mas contra a varíola propôs a vacina, recurso ainda pouco conhecido, que gerou desconfiança e revolta na população.
A revolta da vacina, tema no qual vou me aprofundar em outro momento por aqui, trouxe caos, destruição e morte à cidade. Parte da população via na vacinação obrigatória uma ameaça à liberdade; afinal, como decentes senhoras despiriam seus ombros para homens da saúde pública? Boatos corriam de que a vacina, na verdade, provocava a varíola, em vez de imunizar.
Como a descoberta da vacina tem origem na imunização da varíola em vacas (em latim, vaccinus, “derivado da vaca”), havia até quem acreditasse que as injeções transformassem as pessoas em bovinos. Não, as “fake news” não são exclusividade dos nossos tempos. E grupos contrários ao governo, de monarquistas a operários, usaram o pensamento “anti-vacina” como pretexto para pedir a deposição de Rodrigues Alves.
Oswaldo Cruz não esmoreceu e sua missão foi cumprida. Anos depois, seus herdeiros venceram outras batalhas. Em 1911, o sucessor de Oswaldo Cruz, o médico sanitarista e infectologista Carlos Chagas descobriu o causador de uma doença que assolava o interior do Brasil, o parasita Trypanosoma cruzi, transmitido pelo besouro conhecido como “barbeiro”.
Durante a gripe espanhola, de 1918, Chagas mostrou serviço mais uma vez e, heroicamente, organizou o atendimento à população desesperada, que, em um mês, viu 15 mil mortes apenas no Rio de Janeiro. Hospitais emergenciais e postos de atendimento foram criados pelo então presidente do Instituto Oswaldo Cruz, dando origem ao Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920 — um embrião do SUS.
A Fiocruz é motivo de orgulho para o carioca. E para o Brasil. É a mais destacada instituição do ramo na América Latina.
Em tempos de negacionismo científico, precisamos reconhecer o protagonismo de instituições de pesquisa como a Fiocruz no enfrentamento da crise sanitária ocasionada pela pandemia de coronavírus, mas também de muitas outras, desde a febre amarela à meningite, da Aids à tríplice epidemia de dengue, Zika e chikungunya.
Ao responderem às grandes questões da atualidade e enfrentando os maiores desafios do nosso cotidiano, os cientistas produzem conhecimento, trazendo mais educação e qualidade de vida para as pessoas. Cientistas reduzem desigualdades e constroem pontes para o nosso futuro. A eles, sim, devemos dar ouvidos.
*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado e memorialista. Apaixonado pela história do Rio de Janeiro e pelo resgate das memórias afetivas do nosso povo. Criador do perfil @rioantigo no Instagram, lidera o projeto RioAntigo.org, iniciativa de valorização do patrimônio cultural carioca nas redes.