Em 28 de junho de 1969, os frequentadores do bar Stonewall Inn, no bairro novaiorquino do Greenwich Village, promoveram uma revolta histórica, fartos das humilhações e agressões promovidas pela polícia.
Aqui no Rio de Janeiro era igual ou pior. Tratada como ameaça à segurança nacional e à estabilidade da família brasileira durante o regime militar, essa parcela da população sofria com o preconceito e a violência, algo normalizado pela sociedade.
A cantora Angela Ro Ro sofreu, na vida, cinco espancamentos por homofobia. Todos pela polícia. Quatro desses episódios aconteceram durante a ditadura. A agressividade do Estado criminoso deixou marcas na cantora até hoje: duas vértebras esmagadas e a perda da visão no olho direito.
Segundo Angela, a violência contra os homens gays também acontecia com muita frequência: “eram os alvos maiores da atrocidade. Não se podia ver uma bichinha na rua que, pumba!, arrebentavam ela…”, disse certa vez a cantora.
A violência contra a população trans era ainda mais cruel. Os relatos colhidos pelo jurista e internacionalista Renan Quinalha, em sua tese de doutorado intitulada “Contra a moral e os bons costumes: A política sexual da ditadura brasileira (1964-1988)” (IRI-USP/2017), dão conta da barbárie sofrida pela população LGBTQIA+ no Rio e em São Paulo durante a ditadura.
“Era tanta tortura que elas [as travestis] começaram a se cortar com gilete. Porque quando elas se cortavam, eles [a polícia] ficavam com medo e levavam para o hospital…” — contou a enfermeira carioca Thaïs de Azevedo, que viveu a cena travesti de meados da década de 1970.
No ambiente de trabalho, homossexuais eram duramente reprimidos. Aqueles que não fossem enquadrados nos padrões da heteronormatividade eram muitas vezes demitidos. Um documento encontrado por Quinalha, nos arquivos da Petrobrás do ano de 1981, mostra que os trejeitos femininos — ou qualquer outra característica relacionada ao homossexual passivo — eram motivo para demissão.
Em 1972, em meio a esse cenário inóspito, prosperava também a contracultura. Nasciam os Dzi Croquettes, um grupo carioca de teatro musical que, com muito deboche e irreverência, usava a homossexualidade e a arte como instrumentos de afirmação de direitos.
Foram amados, cultuados, construíram público fiel e devoto. Desafiavam a hipocrisia da sociedade tradicional e criticavam o autoritarismo estatal de maneira debochada e inteligente. Influenciaram meio mundo.
Os Dzi Croquettes foram censurados, interditados e perseguidos pelo regime. Foram tentar a sorte em Paris — e que sorte tiveram. A lenda Liza Minelli foi madrinha da trupe em suas andanças pela Europa. E os corajosos “performers” conquistaram a consagração mundial.
É imperdível o documentário “Dzi Croquettes”, de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, vencedor do prêmio de melhor documentário no Festival do Rio, em 2009. Uma aula magna sobre esse fenômeno cultural, narrada pelas pessoas que fizeram parte daquele sonho e por ilustres admiradores como Ney Matogrosso, Miguel Falabella, Betty Faria, Pedro Cardoso, Cláudia Raia e os saudosos Marília Pera e Jorge Fernando.
O movimento de luta por igualdade de direitos, que saiu do armário e foi para as ruas e para os palcos naquela época, segue firme e faz-se muito necessário nos dias de hoje, pois perduram o preconceito e a violência.
Vale lembrar que a data de 28 de junho é sobre a auto-afirmação de quem passa a vida inteira sendo negado. Sobre dignidade para quem é considerado indigno. Sobre igualdade para quem não tem os mesmos direitos. Sobre visibilidade para quem a sociedade quer tornar invisível. Sobre o direito de amar e de viver. E de não morrer pelo simples fato de existir.
Orgulhe-se. Toda forma de amor vale a pena. O ódio e o preconceito nunca prevalecerão.
*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado e memorialista. Apaixonado pela história do Rio de Janeiro e pelo resgate das memórias afetivas do nosso povo. Criador do perfil @rioantigo no Instagram, lidera o projeto RioAntigo.org, iniciativa de valorização do patrimônio cultural carioca nas redes.