A data é 9 de novembro de 1889. Naquela tarde primaveril, jovens damas abastadas da Corte apressavam-se entre provas de roupa, arranjos de penteados e escolha de joias. Preparativos para uma travessia marítima quiçá nauseante; porém gratificante, sem dúvida.
As refinadas mocinhas talvez não soubessem, mas aquele seria o último baile do Império, festança luxuosa que estremeceu a Ilha Fiscal a apenas seis dias da Proclamação da República.
Com seus tenros 20 anos de idade, Judith de Almeida Senna Campos, moradora de Cordeiro, município da então Província do Rio de Janeiro, relatou detalhes sobre o baile em carta a seu irmão, “Sennoca”. Trata-se de Bernardino de Almeida Senna Campos, célebre médico fluminense, um dos fundadores da Faculdade de Medicina da UFF e tataravô de Humberto Figueira, seguidor que enviou ao perfil @RioAntigo no Instagram esta relíquia de família.
Convido-os a uma viagem no tempo. Andaremos entre princesas, viscondes e baronesas por esse controverso — porém emblemático — evento que marcou a história nacional e povoa, até hoje, o imaginário popular carioca.
Detalhes do Baile na Ilha Fiscal
Esplendido! Maravilhoso! Sublime! Radioso! Ideal! Não. É impossivel foi sonho.
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Sennoca,
Não sabes o que o que vais ouvir, é tudo tão elevado que eu quero descrever, que não acho termos, em fim vou começar: no dia 9 as 11 horas da manhã já eu estava tratando de collocar sobre à cama, todos os objectos precisos para a noite, a qual eu estava achando que se demorava. Contava as horas. Parecia-me 3, não podes imaginar. Às 3 da tarde papai chegou, ficando mais satisfeita, jantamos as 4, isto é, jantaram porque eu não comi com receio de enjoar na travessia do mar.
Eram 5 horas quando eu e papai fomos nos vestir. Terminado, partimos no trem das 7, chegamos à cidade tomamos o bond, que conduziu-nos ao Largo do Paço, ahi encontramos a familia do Sr. Gurrith pois estavamos tratados para irmos junctos; alugaram o bote o qual levou-nos à grandiosa Ilha, tal foi a sorpresa, prazer que sentimos, que parecia-nos estar num lugar encantado e habitado por fadas.
Conheces bem a Ilha pela parte externa, agora imaginas ver, bandeiras brazileiras, chilenas, galhardetes, folhagem, e illuminação à luz electrica, etc. O encouraçado chileno, estava bem em frente a Ilha e os navios de guerra surtos no porto, foram fazer-lhe guarda de honra; em todos havia luz electrica.
Desde o càes até a Ilha, tinha uma linha de batelões, todos illuminados em arcos, copos e muitas flores em symetria; parece-me que ainda estou passando entre elles tal foi a minha impressão.
Em frente ao desembarque tinha um grande pavilhão com 96 lampadas, era um verdadeiro paraíso. A banda de musica do Arsenal de Guerra ficou na torre, da onde fazia ouvir brilhantes peças. Eu queria ter o poder de fallar aqui e voçê ouvir ahi, porque só assim contaria tudo.
Não posso descrever os salões de dansa, bouffé, e a toillete das senhoras; o da familia imperial só me lembro dos dous riquissimos candelabros de prata, com 14 lampadas cada um e também um soberbo tapete espesso, sobre ele outro formado por innumeros ramos de violetas, um primor, se via arte e bom gosto.
Quanto as toilletes das senhoras eram o que havia de mais gosto e luxo, as damas do paço trajavam preto pelo facto da família imperial estar de luto, porèm eram sò gorgorão, velludo, setim, etc. Sobresahia entre ellas a Baroneza de Javary, ella estava tão abrilhantada, que, ao voltar-se todos olhavam-na pelo brilho que a rodeava.
A princeza tinha rico vestido preto bordado a ouro, eu só queria um brilhante do diadema que ella tinha na cabeça.
A ornamentação era tão bonita, que eu pouco dansei, somente para aprecial-a, depois havia muita gente demais.
Deves ficar admirado, pois eu também fiquei de papai me levar (muito podem os chilenos) a um baile público, porque tinha lá muita gente que não tinha cartão, eram entrusos. O meu vestido era muito simples porem muito bonito, era de curali côr de ouro com rendas e flores miudas; achei muita graça no reporter, elle vinha com muito enthusiasmo descrever a minha toillete, quando papai disse-lhe, que não queria meu nome nas folhas, pois cousa tão insignificante; ficando elle muito desapontado.
Tive pena de voçês não estarem aqui.
Termino desejando saude e felicidade a todos, e acceitem lembranças de papai e mamãi.
Darás um abraço em Petite por mim e acceitarás outro à esta tua irmã que muito t’estima.
Judith
Lembranças a Gastão e Milóta
*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado e memorialista. Apaixonado pela história do Rio de Janeiro e pelo resgate das memórias afetivas do nosso povo. Criador do perfil @rioantigo no Instagram, lidera o projeto RioAntigo.org, iniciativa de valorização do patrimônio cultural carioca nas redes.