Em 1o de março de 1565, o jovem militar português Estácio de Sá e sua tropa deram início à construção de uma fortificação entre o Pão de Açúcar e o Morro Cara de Cão, onde hoje está a Fortaleza de São João. Haviam fundado a Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a fim de melhor defender a ocupação portuguesa na capitania de São Vicente. Na Guanabara, os franceses aliados aos tamoios eram uma persistente ameaça há dez anos. Os constantes ataques dos tamoios ameaçavam o povoado de São Paulo, recém fundado por padres jesuítas.
A fundação da cidade foi apenas um dos muitos eventos de um processo histórico — complexo e sangrento — que durou décadas, até o verdadeiro estabelecimento do Rio de Janeiro, em 1567.
Vamos conhecer algumas curiosidades sobre os primórdios da nossa cidade?
A taba Karióka
Os tupinambás já ocupavam o entorno da Baía de Guanabara 1.500 antes da chegada dos portugueses e franceses. Chamados também de tamoios, vieram de ramo ancestral que migrou da Amazônia para o Sudeste há dois mil anos, combatendo os índios tapuias enquanto descia pelo litoral, em busca de Guajupiá, a terra prometida dessa civilização (que virou enredo da Portela em 2020).
Estima-se em mais de 80 o número de aldeias tupinambás localizadas na Guanabara, quando da chegada dos europeus. Segundo Rafael Freitas da Silva, autor do livro “O Rio antes do Rio”, o termo carioca não é exatamente “casa do homem branco”, e sim “o nome da mais importante taba nativa tupinambá, que se localizava às margens do rio que herdou seu nome. As terras da taba “Karióka” ficavam onde hoje estão os bairros do Flamengo, Laranjeiras, Largo do Machado, Catete e Glória”.
“Ria” de Janeiro?
Em 1o de janeiro de 1502, o navegante português Gaspar de Lemos — acompanhado de Américo Vespúcio — chegou à entrada da Baía de Guanabara e, segundo a lenda, teria pensado ser a foz de um rio. Daí o nome “Rio de Janeiro”.
Mas há controvérsias. Há uma outra versão para explicar o nosso nome; o termo “ria”, que significava no século XVI a “entrada de uma baía”, teria sido escrito pelo florentino Vespúcio, seguido do mês de janeiro, e alguém pode ter entendido “rio” na hora de registrar o novo lugar encontrado.
Ascensão e queda da França Antártica
Dez anos antes da fundação pelos portugueses, em 1555, huguenotes franceses comandados pelo almirante Villegagnon fundaram a França Antártica, construindo o Forte Coligny, na ilha onde se encontra atualmente a Escola Naval. Lá foi celebrado o primeiro culto protestante das Américas.
Os franceses tinham como aliados os tupinambás, inimigos mortais dos temiminós, povo que habitava o outro lado da baía. Apesar de também contarem com o apoio dos temiminós, chefiados pelo mítico Araribóia, a Coroa portuguesa estava em desvantagem. Diz-se que eram 100 para cada um.
A fortificação de Villegagnon era considerada indestrutível, mas foi destruída pelos portugueses e seus aliados em 1560. A artilharia do galeão “Botafogo”, na época o navio mais poderoso do mundo, fez a diferença na vitória portuguesa.
Mui leal e heroica
Mesmo após a destruição de Coligny, os franceses persistiram e não arredaram pé da Guanabara. Os tupinambás reforçaram as defesas de Uruçumirim, uma grande aldeia que se espalhava ao redor do atual Outeiro da Glória. Foi feita, em parceria com os franceses, “paliçada” em volta da aldeia, uma forma rudimentar porém muito eficiente de fortificação.
Em 20 de janeiro de 1567, dia do padroeiro São Sebastião, travou-se a maior das batalhas. Os portugueses e os temiminós puseram Uruçumirim em chamas e mataram seu líder, o cacique Aimberê. Assim foram finalmente expulsos os franceses da Guanabara.
Nessa batalha, Estácio de Sá levou uma flechada mortal no olho. Viria a falecer um mês depois com apenas 22 anos. Essa morte simbólica elevou o status de Estácio a herói e o associou ao santo padroeiro, que morrera também flechado. Segundo histórias, o próprio santo teria descido dos céus para ajudar os portugueses naquele dia.
A hecatombe indígena
Segundo Pedro Dória, autor do livro “1565 – enquanto o Brasil nascia”, os tupinambás foram dizimados na grande batalha de Uruçumirim. Na Praia do Flamengo, “suas cabeças, cortadas, fincadas em estacas, tamanho o ódio que por eles nutriam os europeus”.
Os tupinambás que não caíram nessa batalha ou em outras incursões dos portugueses tornaram-se colonos e perderam sua identidade tribal. A civilização tupinambá karióka, o “Guajupiá” dos sonhos, havia chegado ao fim.
A “refundação” no Morro do Castelo
Livres dos invasores e dos inimigos tamoios, os portugueses estabeleceram-se de forma mais definitiva no Morro do Castelo, já em 1567. Ali foi construída uma nova igreja para São Sebastião, um colégio jesuítico, prédios da administração colonial e moradia para quem lá estava e para receber nova população.
Para alguns, 20 de janeiro de 1567 deveria ter sido a data escolhida para marcar a nossa fundação histórica. Segundo o parecer do historiador Noronha Santos, representante do IHGB na Comissão de Estudos Históricos da Cidade, na época das comemorações do IV Centenário, foi só a partir desse momento “que o terreno ficou preparado para o estabelecimento definitivo da cidade do Rio de Janeiro”.
*Daniel Sampaio é carioca do Grajaú. Advogado, memorialista e ativista do patrimônio. Fundador do perfil @RioAntigo no Instagram.