Daniela Alvarenga

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André Piva: um olhar atemporal

Uma homenagem ao grande amigo e arquiteto que sabia como poucos captar o essencial

Por Daniela Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
12 ago 2020, 12h14
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  • “Arquitetura é um estado de espírito, não uma profissão”. Esta frase do famoso arquiteto Le Corbusier traduz perfeitamente o arquiteto André Piva, que faleceu semana passada aos 52 anos. Muito mais do que um arquiteto, ele conseguia alcançar uma tal sensibilidade e capacidade para traduzir o ser humano, o tempo e a beleza que faziam dele uma personalidade única, um olhar ímpar.

    Nascido em Caxias do Sul, este gaúcho conseguia ser mais carioca que muitos cariocas, conhecendo em detalhes e com admiração a cidade onde escreveu sua história e viveu seu grande amor. Ao lado do marido Carlos Tufvesson, parceiro de vida, ele se tornou um ativista iluminando o mundo com seu posicionamento a favor do amor  e contra qualquer preconceito ou impedimento legal para que casais homoafetivos pudessem usufruir dos mesmos direitos. O casamento foi uma das festas inesquecíveis do Rio, elegantes como era o casal, no Museu de Arte Moderna, que para Piva era “sem dúvida um dos prédios modernistas mais bonitos do Rio”.

    O legado do arquiteto está em diversas casas projetadas por ele, coberturas que trazem seu traço, fachadas que carregam sua assinatura. Em breve iremos conviver com um de seus mais recentes projetos, o novo Cine Leblon, que ainda passa por obras, e preserva a fachada de um dos mais tradicionais cinemas da cidade. Piva conhecia cada pedacinho do cinema, como contou na época da divulgação do projeto, porque sempre soube da importância da cultura e da história para uma cidade e porque frequentou muito o local. Foi lá que ele assistiu pela primeira vez a “O céu que nos protege”, de Bernardo Bertolucci, e se apaixonou a tal ponto pelo filme que emendou em outra sessão, como antigamente podíamos fazer. 

    Eu o conheci através do Tufvesson, que fez meu vestido de casamento quando ainda trabalhava no ateliê da mãe, Glorinha Pires Rebelo. Quando os dois começaram a namorar, eu conheci o Piva – e nos tornamos amigos e parceiros. Somos da mesma geração e crescemos juntos profissionalmente. Eu na medicina, ele na arquitetura, sempre juntos. Quando fiz a primeira reforma na minha clínica, no Leblon, eu chamei o Piva para fazer, mas na época não podia investir num grande projeto. Nós dois estávamos começando a crescer, e ele foi muito generoso e parceiro e conseguiu desenvolver o que eu sonhava: o primeiro consultório-boutique do Rio. Ali começou nossa história.  Anos depois, ele projetou a reforma do meu apartamento e depois ainda assinou a clínica que eu tive na Barra com a apresentadora Ana Furtado. Ele sabia tanto de mim mesma, que conseguiu dar a cada um desses espaços uma versão diferente mas coerente e convergente da minha personalidade. Discreto e elegante. Às vezes, eu pirava em um item de decoração mais caro e ele dizia, sempre muito consciente: “não precisa”.

    Minha filha mais velha estuda Arquitetura em Syracuse, NY. Ela começaria estágio com ele após a quarentena, já que a faculdade será online este ano inteiro. Piva tinha tudo que eu procuro em um profissional e tudo que tento ser como profissional: ética, sensibilidade, competência, bom senso, bom gosto e um coração gigante. Seu olhar era humano e prezava pela ética e pelo estética sem jamais escorregar pelo caminho mais fácil. Seu estado de espírito era moderno sem fazer esforço para ser assim. Ele não tinha a vaidade de impor seu gosto ou sua personalidade, mas nunca abriu de seus valores. Com seu jeito aparentemente tímido, ele observava tudo e captava o essencial sempre. Por isso, tudo o que foi assinado por Piva jamais ficará datado, ao contrário, seu legado é atemporal. E, que bom, que temos Vanessa Borges, sua sócia maravilhosa, que agora continuará sem ele fisicamente, mas sempre caminhará com o mesmo estado de espírito com que Piva sempre conduziu sua arquitetura.

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