Os hospitais de campanha no combate à Covid-19 já são uma realidade no Rio de Janeiro. Num esforço que reúne poder público e privado, instituições e entidades médicas estão correndo contra o tempo para ampliar o número de leitos na cidade e atender o maior número possível de doentes. São muitas as mulheres que estão nesta linha de frente, entre elas uma grande amiga dos tempos de faculdade com quem já compartilhei a linha de frente e que hoje é minha paciente, a cardiologista Jacqueline Sampaio Miranda, a quem muito admiro e que cuida de toda a minha família.
As lideranças femininas em países como Alemanha e Nova Zelândia estão sendo elogiadas por suas posturas e medidas implementadas no combate à Covid-19. As mulheres representam 70% dos profissionais de saúde em todo o mundo em contrapartida ao universo da política, em que elas somam apenas 10 dos 153 chefes de Estados eleitos e só ¼ dos Parlamentos. Em um artigo publicado na BBC, Rosie Campbell, diretora do Instituto Global para Liderança Feminina no King’s College London, acredita que as mulheres sejam líderes mais empáticas e colaborativas, embora os estilos de liderança não sejam inerentes a homens e mulheres de modo generalista. Uma pena que, segundo o IBGE, em 2019 ainda estávamos ganhando menos 23% do que os homens.
Coordenadora do setor de Cardiologia e Cardiointensiva do Copa Star e chefe do departamento de Insuficiência Cardíaca e Transplante do Instituto Nacional de Cardiologia de Laranjeiras, Jacqueline também integra a equipe de Cardiointensiva do Hospital de Campanha Lagoa-Barra. Ela observa que a Covid-19 é uma doença que exige determinação. “Se você como médico ou como paciente for imediatista e quiser resultados rápidos, vai perder para a doença. Neste sentido, acho que as mulheres têm muito esse perfil, de ser multitarefa, ter resiliência e paciência”, diz.
Inaugurado no dia 26 de abril, Hospital de Campanha Lagoa-Barra já tem mais de 100 doentes internados, sendo 60 deles em UTIs. Construído em apenas 19 dias, com investimento da iniciativa privada e operação da Rede D’Or, a unidade é dedicada exclusivamente a pacientes do SUS com coronavírus. Nos próximos 15 dias, com a instalação do total de 200 leitos, deve chegar à sua capacidade máxima. “É uma parceria vitoriosa do poder público e privado para atender a população. Cada leito aberto é ocupado imediatamente, não para de chegar ambulância. Esta é uma doença muito grave em que o doente não melhora logo. Nunca vi isso na vida: tanto paciente grave, tanta entubação, tanta parada cardiorespiratória”, conta.
Além do desafio de lidar com uma doença da qual o mundo inteiro ainda tem conhecimento insuficiente, os médicos sofrem a pressão do medo de se contaminarem e a tristeza por verem colegas internados em estado crítico e, pior, mortos. Esta semana, Jacqueline perdeu um colega médico de 41 anos enquanto um outro, de 27 anos, está internado em estado grave. “Não tem como não pirar, mas mesmo tendo medo, preciso botar a minha armadura e ir para a guerra. Na hora que um paciente entra em parada cardíaca ou precisa ser entubado, você não pensa em nada disso”, diz.
Mesmo tomando todas as medidas de proteção, com o uso de EPIs adequados, os médicos da linha de frente acabam adoecendo também não apenas pelo contato diário com o vírus mas também porque o nível de trabalho e de estresse são enormes. Eles não conseguem descansar o suficiente, muito menos praticar atividades físicas e se alimentar bem. A imunidade acaba despencando. “Além de dormir menos de seis horas por dia, quando chegamos em casa ainda temos que ler o que saiu de novo sobre a doença, estudar os casos dos nossos pacientes, trocar informações com outros médicos para saber se alguém teve uma experiência diferente. E no dia seguinte, às seis, estamos de pé para começar tudo de novo. Nós, médicos, entendemos que fazemos parte de algo que é maior que qualquer coisa neste momento”, conta.
Fora o tratamento dos pacientes, os médicos também são a única ponte dos doentes com a família. “Todos os dias, temos que dar informações para todas as famílias. Infelizmente, às vezes precisamos dar a notícia de que o parente internado morreu, que eles não poderão reconhecer o corpo e que o enterro será em caixão lacrado. É um drama enorme para as famílias”. Este é um fim triste e solitário que faz todos nós refletirmos.
Mesmo em meio à guerra contra a Covid-19, a cardiologista consegue celebrar as boas notícias: “No início, chegaram todos os pacientes já em estado grave. Mas nesta segunda semana já conseguimos dar alta para alguns pacientes, que agora estão na enfermaria.”
Se as mulheres estão se destacando na liderança política no mundo nesta pandemia, nos hospitais há parceria entre homens e mulheres profissionais de saúde, sem diferença, elas dizem. Mesmo em meio a tanto trabalho e compromisso com o combate à pandemia, elas sentem falta também de pequenos cuidados com a beleza, o que acaba sendo uma âncora para a autoestima delas. São horas a fio com EPIs, como já falamos aqui na coluna. “Tem um pedaço de esmalte há 15 dias na unha que não consigo tempo de tirar, a sobrancelha é uma tarântula. Já abriu uma úlcera na face anterior do nariz e tenho várias amigas com o rosto todo cortado pelas máscaras”, conta Jacqueline, que além de ser excelente médica, é também uma mulher linda, com coração gigante, que faz exercício físico desde sempre, vaidosa e que se cuida muito. Diria que 220 volts é pouco para ela. “Por falar em se cuidar, que saudade dos cuidados com a minha Dermato. Ainda bem que mantenho sempre meus procedimentos em dia com com você no consultório”, brinca a minha amiga, num momento de descontração em meio à esta rotina tão desgastante, mas fundamental.
Há alguns dias eu me coloquei à disposição para linha de frente, caso a Jack, como a chamo, precisasse. E a resposta foi: “Dani, amiga linda, muito obrigada pelo carinho e amizade de tantos anos. Sem dúvida você faz falta nas Emergências e CTIs, e agora mais do que nunca. Mas o Rio ganhou uma dermatologista que não dá para viver sem. Foi uma troca justa”.