Obesidade: uma doença que vai muito além da estética e tem tratamento
O que a gordofobia contra Marília Mendonça revela sobre as dificuldades de se combater a obesidade no Brasil
O luto que tomou conta do país semana passada com a trágica morte da cantora Marília Mendonça nos trouxe muitas lições. Além do sentimento coletivo de dor pela perda abrupta e brutal de um grande ídolo, tivemos a chance de refletir sobre o quanto a sociedade ainda julga uma mulher pela aparência. Seu enorme talento para compor e cantar o que as mulheres sentem, quebrar recordes de audiência e arrecadação e romper tradições no mercado fonográfico bastam para entender o espaço que ela construiu para si na história da música. Porém, ainda assim, houve quem achasse mais importante falar de sua forma física e de sua relação com a beleza – como se isso fosse algo relevante a ser mencionado após sua morte. Nem neste momento, a gordofobia, que julga quem está fora do chamado padrão, “perdoa” as mulheres.
“Perdoar” não seria o verbo correto, tampouco “padrão” seria adequado. Estes são termos usuais quando o assunto é o corpo feminino. Estamos ainda muito atrasados em relação a quebrar os tabus e preconceitos quanto à libertação das mulheres em relação a uma opressão dos corpos. Por isso, fãs e jornalistas que defenderam Marilia Mendonça de ataques aparentemente velados e muito cruéis foram firmes em botar os pingos nos iis.
De acordo com o Vigitel 2019 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), levantamento feito pelo Ministério da Saúde,o Brasil tem mais de 100 milhões de pessoas com excesso de peso – 55,4% da população. Portanto, considerando estes dados, dizer que existe um “padrão” não seria o correto, já que os números não são exatamente de uma minoria, mas de metade dos brasileiros.
Esta pesquisa chama a atenção para o aumento do número de obesos, que saltou de 11,8% em 2006 para 20,3% em 2019. E é neste ponto que precisamos estar atentos. “As pessoas demoraram para entender que obesidade é uma doença crônica, progressiva e sem cura”, alerta o médico nutrólogo Dr. Guilherme Giorelli, “Desde a década de 80, há uma epidemia da obesidade no mundo. Traçando um paralelo com a pandemia do Covid-19, vemos o impacto de uma pandemia sem cura e a importância de entendermos a gravidade para enfrentar a doença”.
A obesidade, que é causada por múltiplos fatores, somente passou a ser considerada doença em 2013, pela American Medical Association. Doença é um conjunto de sinais e sintomas específicos que afetam um ser vivo, alterando seu estado normal de saúde, podendo haver piora da qualidade vida ou até a morte. Obesidade é isso: leva a uma piora da qualidade de vida, uma baixa absurda da autoestima, uma sensação de impotência e predispõe ao aparecimento de outras doenças como diabetes, doenças cardiovasculares, articulares, depressão, dentre outras. Alem de aumentar a gravidade de outras doenças, como vimos com a Covid-19.
É importante entendermos que ninguém fica obeso só porque come muito ou só porque é sedentário. É resultado de um conjunto de fatores e da maneira como o organismo funciona. Existem obesos que têm muita fome, outros porque são sedentários, outro por ansiedade e compulsão, outros por falta de saciedade. Não é simples assim. Não basta ajustar só alimentação e exercícios para se curar. Se fosse só isso, algum país do mundo teria conseguido acabar com a doença, e o que vemos é um aumento progressivo dela.
Tratar a obesidade como doença é também um modo de combater preconceitos, uma vez que a sociedade estigmatizou de maneira muito cruel pessoas obesas e até acima do peso. As pessoas tendem a justificar que o outro está obeso por falta de força de vontade, falta de foco, desleixo, e isso leva a uma serie de preconceitos.
Separar o joio do trigo é fundamental para combater a gordofobia e o preconceito. Excesso de peso e obesidade não devem ser avaliados como questões relacionadas à estética, à vida profissional e até à vida afetiva. Atrelar a luta de alguém para perder peso a isso não ajuda em nada, muito pelo contrário, aumenta a pressão, o julgamento, a ansiedade. “Ninguém diz que alguém que tenha uma doença, como câncer ou diabetes, é fraco mentalmente, mas quando se trata de obesidade, as pessoas acham isso”, observa o Dr. Giorelli, coordenador da pós-graduação em Nutrologia do hospital Albert Einstein, da qual eu faço parte. A pressão social e cruel cria nestes 100 milhões de brasileiros acima do peso a angústia por um resultado. E isso não ajuda em nada.