Imagem Blog

Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
Continua após publicidade

2024 nunca chega para o coração aflito do torcedor

Aos apaixonados, nada consola a ansiedade infinita pelo fim das férias do time cultuado e o reencontro com a vertigem de torcer

Por Alexandre_Carauta Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
12 jan 2024, 09h30
Torcedores no sofá
 (Freepik/Reprodução)
Continua após publicidade

Nito senta no canto do bar igual um zumbi exilado da luz. Nem o sol festeiro do verão carioca, sol de praia e carnaval, o anima. Seu coração de torcedor teima em invernar.

Os olhos mudos estacionam num porão da alma onde as cores não entram. A cabeça e as costas pesam uma espera interminável. Se fumasse, já teria despachado dois maços naquele tasco de manhã. O coração de torcedor é uma navalha.

Nito parece outro. Despreza o papo no balcão sobre De La Cruz no Fla e Jeffinho de volta ao Botafogo. Logo ele, fominha das resenhas.

As palavras hibernam num desgosto ressecado, vizinho do luto. Balbucia o chope ao garçom com a voz esquálida de um socorro pedido debaixo de escombros. Luta para sobreviver ao coração petrificado.

O rubro-negro ao lado se compadece. Puxa assunto. Não percebe que o silêncio acolheria melhor do que a prosa bem-intencionada.

“Por que está desse jeito? Morreu alguém próximo?”

Nito cospe o bate-pronto ranzinza:

Continua após a publicidade

“Morreu. O futebol morreu.”.

“Não faz drama. Verdade que o seu Vasco quase caiu e o meu Flamengo precisa melhorar, mas o ano mal começou. Eles vão se acertar.”.

“Não é nada disso…”.

“É a seleção? Bom, ela sempre ressuscita”.

“Não, nada a ver.”.

Continua após a publicidade

O coração de Nito não dói a ausência de um futebol verdejante, idealizado entre a memória e o sonho. Dói uma ausência prosaica, mas torturante. Dói o futebol de férias:

“Essa época é uma desgraça. Só especulação de jogador que vai, jogador que vem. Só jogo lá de fora. Temos, no máximo, as migalhas da Copinha, com a garotada ainda verde, um milhão de equipes e os campos alagados. Um tédio.”.

“Não exagera. Daqui a pouco nossos clubes retornam aos gramados. Enquanto isso, a gente se distrai com o campeonato inglês, o espanhol, o alemão. Rolam uns joguinhos ótimos, melhores que aqui”.

“E daí? Eu quero é torcer, preciso torcer, senão tudo fica chato demais.”.

Deixar de torcer produz em Nito a asfixia que se abate sobre uma criança sem papel e lápis para desenhar, sem árvore para macaquear. Ligeiramente menos desgostoso do jejum sazonal, o colega pondera:

Continua após a publicidade

“Calma. Agora em janeiro começa o Carioca”.

“Não se iluda, parceiro, os titulares só estreiam mês que vem. Estão na tal pré-temporada. A coisa começa a engrenar depois do carnaval, talvez só em março, abril. Não aguento.”.

Os dois se calam numa resignada cumplicidade. Velam uma saudade rasteira, com prazo de validade. Pouco importa. Mesmo uma saudade rasteira paralisa os músculos, goteja sobre o espírito um vazio cortante.

A agonia de Nito é a agonia de milhões. Torcedor não tira folga.

Não se pode amansar angústia assim como quem lança um pedaço de carne para desviar o foco do cão brabo. Tamanha ansiedade não se distrai nem com as pinturas orquestradas pela babel de craques nos tapetes britânicos, lindas de se ver.

Continua após a publicidade

Um passista não aplaca o apetite dos pés com o desfile da tevê. Precisa tragar a folia, está no sangue.

Nito agoniza uma fratura próxima à mutilação. O estio de jogos do time cultuado, jogos à vera, quebra a espinha que sustenta a filiação com o futebol e, por tabela, com o mundo.

Nenhuma distração dá conta de restaurar a vertigem que conecta o peito às camadas sociais, afetivas, simbólicas do universo futebolístico. O calendário não coincide com a urgência de reencontrá-la.

Torcer constitui um salto incontrolável até essa vertigem, até a borda do irracional. Um salto no escuro, incompreensível àqueles para os quais o esporte não passa de entretenimento, aos menos interessados em sentir suas garras do que em exibir suas faces nas redes.

Não adianta sugerir passeio com a família, caminhada na orla, drinque ao entardecer, tampouco uma nova série coreana, um jogão europeu, um paliativo sub-20. Não adianta sequer acenar com reforços à vista.

Continua após a publicidade

Não adianta. Coração de torcedor não se deixa levar. Inconsolável. Só a vertigem dissolve o seu tormento, o seu desamparo de órfão.

Para esse coração, 2024 nunca chega. Nito respira fundo, fuzila a folhinha na parede. Pede mais um chope.

___________

Fôlego das ruas

Cada vez mais recheadas de atrações culturais e ativações de marketing, as corridas de rua incrementam a temporada esportiva do Rio. A tradicional ASICS Golden Run está marcada para 14 de julho.

Reunirá dois trajetos: de 10 e de 21 quilômetros (meia maratona). As inscrições estão abertas.

___________

Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação FísicaOrganizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

a partir de 35,60/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.