A Sapucaí de abril verá o Salgueiro cantar a resistência. Não seria exagero se o enredo incluísse o Maracanã.
Enquanto São Paulo embarca de vez na onda do quadrado doméstico, o eterno maior do mundo preserva a mistura. Perpetua o duelo dionisíaco das torcidas.
Um Fla-Flu jamais seria um Fla-Flu sem a carnavalesca esgrima entre rubro-negros e tricolores. Perderia a vocação épica, o oxigênio, o sentido, caso lhe sequestrassem a alteridade clubística.
A resistência à torcida única deve-se menos a razões socioculturais do que administrativas, financeiras, políticas. Diferente do quarteto paulista, os gigantes do Rio caminham no século 21 sem estádios próprios condizentes às estaturas históricas, aos potenciais econômicos, às exigências do marketing.
Tamanho fosso os afasta do modelo de negócios em torno de uma arquibancada monocórdia. Consolidado na Europa, ganha a maior metrópole brasileira. Uma manobra supostamente indispensável à ampliação e diversificação de receitas.
Às prescrições do marketing, soma-se a restrição da Justiça paulista para prevenir pancadarias entre torcedores rivais. Combinados nas redes, os quebra-paus migram às ruas.
Estádios limitados a uma só paixão não ficam imunes a barbaridades: brigas entre simpatizantes do mesmo time, depredações, ofensas preconceituosas. Erradicá-las exige desde campanhas educativas e fiscalizações rigorosas até multas e punições esportivas mais severas.
Para o controle da violência, a torcida única não ultrapassa a fronteira paliativa. Para a ordem mercantil, torna-se adequada à expansão do consumo referente a um clube grande ou de ambições grandes.
A fórmula esbarra no Maracanã, gerido interinamente por Flamengo e Fluminense desde 2019. Custo alto de operação e desacertos políticos dificultam o amadurecimento de um plano para melhor explorar o cacife tangível e simbólico do cartão-postal.
Mesmo às voltas com incertezas, o Maraca conserva a dualidade mítica dos clássicos, arquitetada por Mário Filho, consagrada nas charangas, nas provocações lúdicas, nos cânticos. Uma dualidade inscrita nas artérias sociais e comerciais do futebol espetacularizado.
A aquarela preta, vermelha, verde e branca na final do Carioca é um tributo à alteridade. Acima das desorganizações e brutalidades, acima das alegrias e decepções, prevalece a apoteose da alteridade.
Nada mal para um campeonato deteriorado, atrofiado, condenado por nove entre dez analistas. Falta combinar com os russos.
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Na ponta da língua, só que não
A disputa vencida pelo Flu lega um punhado de dúvidas à sequência da temporada. Melhor às resenhas do que aos nervos.
As incertezas começam nos próprios times. Nem o campeão, nem o vice, tampouco os demais grandes já encontraram os 11 titulares.
Indefinições perduram não porque treinadores calibram escalações conforme adversários e circunstâncias jogo a jogo, como fazem os cânones europeus e o sólido Palmeiras de Abel Ferreira. Perduram porque ainda buscam a composição ideal.
Embora compatíveis a variações táticas de equipes consolidadas, mudanças constantes desafiam o entrosamento em campo e a confiança da torcida. Confrontam também a história: escretes vitoriosos – mais que isso, encantadores – vêm na ponta da língua.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.