Era um garoto que, como tantos, amava o funk e o hip hop. O talento transformaria a paixão em arte. Os incansáveis treinos e a habilidade de harmonizar gêneros culturais transformariam a arte em sucesso.
André DB é o Brasil nas finais do Red Bull Dance Your Style, um dos principais torneios de danças urbanas. Entre os 45 concorrentes de vários países, também é o único representante do passinho, modalidade orgulhosamente verde-amarela.
“Quero é me divertir e expressar a cultura funk, a cultura popular brasileira, a cultura da favela”, enfatiza. A humildade, tão reluzente quanto o molejo de quem nasce bamba, aguça a consciência sobre a representação social dos seus passos.
Não será surpresa se o rapaz de 24 anos, fala mansa, ficar entre os oito que decidem o título mundial no próximo sábado, 4 de novembro, em Frankfurt (transmissão pelo Tik Tok da Red Bull Brasil). Desde que a brincadeira com os primos e vizinhos da Vila Cruzeiro virou profissão, o dançarino, coreógrafo, ator e professor coleciona feitos.
Venceu inúmeras disputas, integrou clipe da Anitta e show de Ludmila, apresentou-se em Portugal, na França, Alemanha, Noruega, Bélgica, Suíça, Irlanda. Às conquistas futuras, sonha acrescentar uma incursão olímpica, igual aos colegas do break.
Suas exibições e oficinas rodam a Europa. André permanece em Paris até o fim do ano. A volta para o Rio vai aplacar a saudade da sopa de ervilha e do feijão da mãe, do x-tudo, dos amigos, da bola.
Ele detalha, num papo por vídeo, histórias do menino corado rei do passinho. Conta como o mundo artístico ventila liberdade e o ajuda a superar preconceitos “de todo tipo, em todo canto”.
Em que aspectos o funk e o passinho mudaram a sua vida?
A dança é transformadora por libertar o corpo. Ele fica livre para contar histórias. Meus compromissos profissionais não diminuem esse lado lúdico, criativo e libertador da arte. Procuro vivenciá-lo em todas as minhas atividades.
Isso vira um trunfo na decisão mundial do Red Bull Dance Your Style?
Bem, só sei que vou me divertir e representar a arte da favela, tantas vezes discriminada. Essa representação, ligada ao movimento negro, às raízes culturais brasileiras, é muito importante. Também significa liberdade. Propagar nossa cultura já é uma conquista
Falando em raízes culturais, o passinho ganha o mundo como uma dança brasileira…
Sim, uma vertente do funk nascida na favela, uma expressão da nossa cultura, ou das nossas culturas.
Você é, aliás, craque em misturar o passinho com outros gêneros. Como nasceu seu estilo plural?
Valorizo o mix cultural. Sou assim desde criança, quando eu brincava de dançar em casa, com o meu irmão e meus primos. A gente via muitos vídeos de funk e de outros ritmos na internet. Gosto cada vez mais de misturar o passinho carioca com danças de origem africana. Pesquiso constantemente formas de enriquecer minhas coreografias.
Bolou alguma para as finais do Red Bull Dance Your Style?
Treino diversas opções. Só na hora de cada batalha eu decido como vou dançar, dependendo da música e da reação do público.
Qual a influência do público nas batalhas de dança?
O público contagia, a gente vai junto com ele. A plateia me ajudou, por exemplo, na conquista da etapa brasileira do Red Bull Dance Your Style, em abril. Cada entrada tinha uma energia diferente. Saía passos que eu nunca tinha feito. Estou confiante de que isso possa se repetir durante as finais, na Alemanha.
Desde 2019 você roda a Europa com apresentações e oficinas. O investimento na carreira internacional se torna prioritário?
Ainda é difícil trabalhar com arte no Brasil. Mas acredito que vai melhorar. A experiência europeia, boa parte dela com a companhia Suave, me permite atingir outros meios, outras culturas. Permite que eu leve a todos os lugares a arte da favela, para ser reconhecida como algo positivo, uma expressão cultural legítima e valiosa.
Seja no Brasil, seja na Europa, o preconceito ainda é a grande batalha a ser vencida?
Sim. Sou preto, da favela, da dança. Sofro preconceito de todo tipo, em todo canto. A arte é também minha resistência. É uma forma de luta contra as discriminações. Hoje as culturas da periferia formam uma rede em ascensão importante no combate aos preconceitos.
Como se desenvolveu essa raiz comunitária, tão marcante na sua dança, nos seus trabalhos?
Comecei a me destacar nas batalhas e nos festivais de dança, como na Arena Dicró, em 2013, quando eu tinha 14 anos. Treinava dentro de casa. Pesquisava muito, e sigo pesquisando, maneiras de combinar gêneros na minha performance. Virei também coreógrafo. Hoje me divido entre trabalhos na Europa e em comunidades cariocas, em especial no Complexo da Penha, onde cresci.
Entre as origens e os hábitos cariocas, de que você sente mais saudade quando está no exterior?
Da minha mãe, da família, eternas inspirações. Sinto falta da sopa de ervilha e do feijão da minha mãe, de comer um x-tudo e conversar com os amigos. Sinto falta também de jogar bola. Mas isso eu já não faço há um tempão.
Jogava de quê?
Lateral-esquerdo.
Quando você pretende matar essas saudades?
Fico em Paris até dezembro. Então volto para o Rio.
Já se vive a Olimpíada por aí?
Sim, o clima olímpico se espalha pela cidade.
Você acredita que as danças urbanas possam se tornar modalidade olímpica, como o break?
Torço para isso, claro. Seria ótimo.
Depois de encantar cariocas, brasileiros, europeus, qual é o seu grande sonho?
Vivo o meu grande sonho: levar a nossa dança para outros lugares.
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Aquecimento para a decisão
O Rio respira a Liberta. O duelo decisivo entre Fluminense e Boca eclode na primavera da camisas tricolores, na ansiedade incontrolável dos torcedores, na ciranda de empolgações e provocações, na corrida desesperada por ingressos, na enxurrada argentina pela Zona Sul, nas resenhas acaloradas do subúrbio e da orla.
O tira-teima de sábado, no Maraca, também pulsa acelerado na fun zone da final, em Copacabana. Visto de cima, o espaço à beira-mar reproduz a taça da Conmebol Libertadores. Com entrada gratuita e programação diversa, agrega milhares de cariocas e turistas até sexta, véspera do jogo, das 14h às 22h.
Desenvolvida pela agência Effect Sports, a área de convivência acomoda 7.500 visitantes simultaneamente. Reúne museu com as histórias dos clubes finalistas, experiências imersivas, DJs, especialidades da gastronomia sul-americana, campo de futebol de areia, ativações de patrocinadores. Um aquecimento sortido para a decisão do trono continental.
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Alexandre Carauta é jornalista e professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.