Dourada de popularidade e simbolismo, a Copa atrai diversos palanques. Políticos, econômicos, ambientais, humanitários. Convém distinguir os oportunos dos oportunistas, e decidir em que lado da História se deseja ficar.
O desabafo libertário das iranianas, impedidas de frequentar estádios na terra natal, enquadra-se no primeiro tipo. Dificilmente as arquibancadas ecoarão neste Mundial coro mais significativo. Perseguem a distante igualdade.
À mesma categoria pertence a braçadeira colorida (One Love) que seria usada pelos capitães de Alemanha, Bélgica, Inglaterra, Suíça, Dinamarca. Solidarizariam-se com a comunidade LGBTQIA+, violentada no anfitrião e noutros tantos países, e com as demais vítimas de preconceitos estruturais.
Ao proibi-la, a Fifa alega fidelidade ao Catar, onde homossexualidade é crime, e à neutralidade estatutária. Derrete, assim, o teatro da diversidade encenado na cerimônia de abertura.
O veto constitui o avesso da proclamada isenção. Posiciona-se contra as emergências humanitárias às quais se incorporam esforços para banir do esporte, e da sociedade em geral, discriminações seculares.
Não falta coerência à mandatária do futebol. A posição replica a complacência com desumanidades denunciadas por organizações como Anistia Internacional e Human Rights Watch.
A vista grossa insere a Copa atual na segunda categoria de palanque. O torneio converte-se em polimento para regimes de reputações opacas.
A jogada é recorrente. Fora aplicada, por exemplo, na Rússia, quatro anos atrás, e na Argentina, em 1978.
A tática se repete em 2022. Financiado por uma bolada sem precedentes, o embarque nos ventos totalitários pretende-se dissimulado por discursos oficiais de dicção pluralista. Frágeis como mensagens na areia, não resistem à arrebentação dos fatos.
Ancorada em sanções esportivas e financeiras, a censura à braçadeira alcança só o recuo circunstancial de atletas e seleções. Tiro no pé. Em vez de sufocar os manifestos contra a opressão, desperta mais vozes dispostas a vencer a retranca obscurantista.
Muitas e muitas delas não podem ser caladas com multas, cartões amarelos, inversamente endereçados a quem combate a discriminação. Vozes como a de Richarlison, cuja vitalidade estende-se à militância contra o preconceito.
Com a precisão de um voleio perfeito, o atacante ensina: o direito universal à expressão não se curva a cartilhas próximas da mordaça. Especialmente quando clama pelos oprimidos.
Nancy Faeser emitiu o mesmo recado. Ao estampar a braçadeira proibida nas barbas da Fifa, a ministra alemã contra-atacou brilhantemente. Nenhuma pompa, fortuna, arbítrio institucional há de asfixiar a batalha por mundo mais igualitário, justo, fraterno.
A ministra belga Hadja Lahbib acompanhou a colega. Ponderou: “A proibição não se aplica à arquibancada”. Dela evocava seu mais precioso canto: o fervor democrático.
Hadja, Nancy e as torcedoras iranianas nem precisaram entrar em campo. Já são grandes estrelas da Copa. Brilharam infinitamente ao lembrarem o lado certo da História.
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Reserva misteriosa
As redes estão certíssimas. Arrascaeta no banco uruguaio equivale quase a Natal sem Noel. O planeta Terra terá de renascer para encontrarmos uma explicação.
Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.