Depois do Fla-Flu eleitoral, um aperitivo para a Copa das cornetadas
Polêmica em torno da convocação de Daniel Alves esquenta as resenhas nas quais a alma do futebol canta livre, feliz, contagiante, como cantava Gal
A temporada de cornetas está salva. Duas surpresas na lista de Tite aquecem as resenhas na regressiva para o Catar.
Nada como uma polêmica da seleção para reunir as cornetas afastadas pelo Fla-Flu eleitoral. Até quem jamais ouvir falar de Martinelli e Daniel Alves adere ao debate nacional.
Pouco importa que a dupla dificilmente jogará, tampouco afetará os rumos do Brasil. O negócio é resenhar.
O assunto atravessa até a volta do colégio. Depois de perguntar ligeiro ao filho sobre a prova de desenho geométrico, o pai emenda:
– E a convocação? O que achou?
– Um deboche com os laterais direitos em condições de irem à Copa…
– Eles existem? Depois de Jorginho, Cafu e Daniel Alves, vivemos um deserto de laterais…
– Ok. Mesmo assim, Tite podia ter chamado o Emerson (Totteham); o Gilberto (Benfica); o Mayke (Palmeiras); o Rodinei (Flamengo)…
– Sério? Dani Alves dá um banho nesses aí…
– Dava. Ele não joga há muito tempo, tem quase 40 anos. Não consegue mais encarar uma Copa. Seria melhor levar um lateral em atividade, ou mais um meia. Queimamos uma vaga…
– Daniel pode ser útil em algumas partidas. Tem ótima saída de bola…
– Veremos…
O racha se reproduz entre os milhões de técnicos país afora. Muitos reconhecem os préstimos do lateral, sua categoria, seu gabarito atlético, seu histórico vitorioso. Mas duvidam do fôlego para domar furacões como Mbappé, Messi, Foden.
Outros tantos confiam que o quarentão bom de bola ainda dá caldo para vencer a fatura do tempo, os meses de sarrafo baixo, a lógica. Projetam contribuições além do vestiário. Não avistam melhor alternativa para completar as 26 feras de Tite.
Dani Alves é de grupo. É do grupo. Isso ninguém discute.
Precavido, o treinador descarta a exceção: “mesmo critério de todos”, prêmio à qualidade técnica, física, psicológica ainda na validade. Soa tão convincente quanto a espontaneidade instagramável de figuras carimbadas eufóricas diante da convocação derradeira.
A inclusão relativamente inesperada de Daniel e Martinelli não produz mais do que burburinho na feira. Nada influi no destino verde-amarelo.
O cheiro do hexa mantém-se intacto. Exala de uma equipe bem conhecida, bem treinada, entrosada. Iluminada por uma safra animadora de atacantes e uma marcação consistente. Ousada, equilibrada, confiável.
Tais virtudes, suficientes para trazer o caneco, têm compensado a falta de laterais mais talentosos e de um ou dois maestros. Até agora, os ótimos volantes e atacantes vêm suprindo essas carências. Torçamos para que continue assim. Torçamos e, acima de tudo, resenhemos.
Enquanto crianças chutarem chapinha, chinelos virarem trave e o escrete canarinho despertar encantos e controvérsias, a alma do futebol cantará feliz. No sofá, no bar, no escritório, na praça, nas redes. Cantará livre, candente, contagiante, como canta eternamente Gal.
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Regência premiada
Por falar em maestro, hoje nenhum meia enverga melhor uma batuta, nos gramados brasileiros, do que o ressuscitado Ganso. Nenhum time lhe cairia melhor do que o Fluminense de Diniz. Nenhum regente seria tão perfeito à atual partitura tricolor.
A reciprocidade esculpiu lances poéticos no Brasileiro, alguns recompensados com o gol. Auxiliada por talentos como André e Arias, a recuperação de Ganso faz bem ao futebol.
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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.