Façam as apostas sobre os rumos do Esporte brasileiro
Ao substituto de Ana Moser, impõe-se uma decisão crucial: seguir as alianças com saúde, educação, inclusão encaminhadas, ou inclinar-se ao retrocesso
Metáforas esportivas funcionam no país do futebol, inclusive em bravatas de campanha. Não é o caso da cometida pelo presidente Lula, ao justificar a saída precoce da ministra Ana Moser.
Nem o marciano recém-chegado confundiria uma mudança técnica ou tática em nome da produtividade com a velha jogada para subir o cacife político do Planalto. Naturalizada no tal presidencialismo de coalizão, a barganha por respaldo parlamentar irmana governos de variadas tinturas.
A aterrissagem do deputado Andé Fufuca (PP-MA) no Ministério do Esporte replica o esquema clientelista imune a pudores partidários, ideológicos, morais. Seu pragmatismo soberano dissolve coerências, fidelidades, biografias.
Pouco importa Fufuca não ter apresentado projeto para a área em 12 anos de Congresso. Prevalecem as credenciais de atacante do Centrão e correligionário do presidente da Câmara, Arthur Lira.
O importante são os três pontos dos aliados fisiológicos. Esta, sim, configura-se uma metáfora condizente à substituição ministerial. A estratégia alarga o placar do bloco que condiciona apoio legislativo a emendas e cargos robustos. Reúne mais de 200 congressistas.
Ana provavelmente chegaria ao nono mês à frente do Esporte se na pasta, historicamente detentora de orçamentos modestos, não aportasse uma parte da grana coletada com a jogatina eletrônica. A Fazenda projeta arrecadar entre 5 e 10 milhões de reais por ano com tributos e taxas das operadoras de apostas online regulamentadas.
A bolada será gerida por uma secretaria especial. É possível que se incorpore à bandeja de Fufuca.
Fiel à nossa história republicana, a troca da ex-jogadora pelo cabo-eleitoral de Bolsonaro desperta tanta surpresa quanto a goleada do Brasil sobre a Bolívia. Nem por isso merece anistia da indignação, tampouco complacência do eleitorado.
Mais do que as previsíveis vaias da comunidade esportiva, a vitória do patrimonialismo instiga uma vigília sobre os próximos capítulos. A prudência não nos autoriza a contar que o sucessor alinhe-se aos avanços programáticos rascunhados por Ana Moser, conforme prometeu o ministro da Casa Civil, Alexandre Padilha.
Difícil imaginar se Fufuca seguirá o bastão passado pela ministra. Dele o líder do PP na Câmara não pode se queixar.
Nos 240 dias de Esplanada, Ana fez o que manda a Constituição. Costurou convergências do esporte com a saúde, a educação, o amparo social. Sugeriu, por exemplo, agregar equipamentos esportivos ao Minha Casa, Minha Vida, para democratizar a atividade física e melhorar a vida da população pobre.
Médico de formação, André Fufuca supostamente sabe a importância dos exercícios regulares para a saúde preventiva. Meia hora por dia de atividade moderada já ajuda muito a reduzir o risco de doenças como obesidade, diabetes, problemas cardiovasculares, esteatose hepática (gordura excessiva no fígado), câncer, depressão.
Cada dólar investido em prevenção economiza quatro dólares gastos com serviços médicos, calcula estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A economia já seria suficiente para a prática esportiva capitanear uma política de Saúde dedicada mais a precaver os incêndios do que apagá-los.
Não necessariamente o novo mandatário está de olho nesses ganhos. O desafio de honrar a estatura de Ana Moser impõe-lhe uma decisão crucial: priorizar as alianças com a saúde, a educação, a inclusão encaminhadas; ou inclinar-se ao retrocesso.
Façam as apostas.
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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.