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Esquinas do Esporte

Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Por que a final gourmet da Libertadores não é surpresa

Criticado nas redes sociais, piso de 200 dólares para Flamengo x Palmeiras em Montevidéu reforça elitização global dos estádios iniciada há 30 anos

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Atualizado em 26 out 2021, 11h23 - Publicado em 26 out 2021, 08h06
Dinheiro e calculadora
Estelionato: de cada seis registros de ocorrência de qualquer tipo de crime no estado, um é referente a um golpe. (Foto Pixabay - Loufre/Reprodução)
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As redes não deixaram barato. Exclamavam: perderam a noção! Mil e pouco para ver de perto a final da Liberta!?! O olho gordo desencadeou perplexidade unânime. Das esquinas às mesas-redondas.

Flamengo x Palmeiras na capital uruguaia, daqui a um mês, não sai por menos de 200 dólares, o equivalente a um salário-mínimo – mais que o dobro em relação à final da Liga dos Campeões, principal torneio entre clubes do planeta. Somadas passagens aéreas e hospedagem, o programa ultrapassa 10 mil reais.

O bilhete corresponde a 1,4% do PIB per capita nacional, encolhido para algo em torno de 14 mil dólares no ano passado. Já o da Champions representa 0,02% do PIB per capita europeu, perto dos 34,5 mil dólares.

Até os malabaristas do teto governamental encontrariam dificuldade para explicar tal matemática. Não adianta culpar o câmbio malvadão, reflexo da tempestade perfeita semeada há algum tempo.

Mesmo sem a perversidade da inflação recorde dos alimentos, o ingresso salgado exclui e choca. Habita um universo alheio à realidade brasileira, e à nossa ligação visceral com o futebol.

Por outro lado, a jogada dos dirigentes sul-americanos não surpreende. Estádios têm se tornado progressivamente elitistas desde os anos 1990.

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Replicamos a cartilha liberal acentuada na ponta de lá do Atlântico, como se partilhássemos as conjunturas econômicas, socioculturais, esportivas. Copiamos a metamorfose da arquibancada em camarote.

A mudança largou faz 30 anos. Manifestou-se no redimensionamento dos estádios. Perderam tamanho, ganharam um feitio menos popular – no acesso, na etiqueta, na configuração física e territorial.

Incrementaram serviços e experiências para extrair mais receita de cada partida. O novo manequim articulou-se a investimentos crescentes nas principais ligas europeias, consolidadas no vértice do entretenimento industrializado.

Para o geógrafo Gilmar Mascarenhas, autor de “Entradas e bandeiras. A conquista do Brasil pelo futebol”, o processo verticaliza dinâmicas de consumo e territorialidades. “Acirra processos de exclusão, tanto de segmentos economicamente desfavorecidos quanto de práticas socioculturais que garantiam nos estádios uma atmosfera de festa e de expressão de anseios coletivos”, observa o pesquisador em artigo publicado há dois anos e meio no Ludopédio. 

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O modelo naturaliza-se, com o aval da imprensa, sob o rótulo de padrão Fifa. Representa a troca da massa pelo nicho, o fim das multidões acima de 100 mil, 150 mil espectadores.

Impõe-se a prescrição liberal de ganhos maiores com público menores de poder aquisitivo superior. Reproduzida indistintamente nas bandas de cá, a gourmetização dos estádios transfere sua vocação popular ao imaginário, à memória afetiva – o que, de certa forma, também favorece os negócios.

A tática nem sempre vinga. Pode escorregar numa ocupação média e/ou num desembolso per capita abaixo dos esperados. Não raramente resultam do descompasso com as condições socioeconômicas e com o valor percebido do produto.

Calibrar o preço nunca é fácil, em qualquer mercado. Pode-se errar para mais ou para menos nas quantias cobradas por um confronto esportivo. O manual do marketing recomenda diversificá-las, conforme as variações de espaço (setores) e os serviços agregados.

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Jogos de forte tônus histórico e simbólico, com procura bem superior à oferta, costumam fugir às recomendações gerais, às equações lógicas, à sensatez. Por exemplo, a entrada mais barata para a decisão da Copa 2014, Alemanha x Argentina, no Maracanã, custava razoáveis R$ 165 (meia), cerca de 75 dólares no câmbio da época. Mas seria revendida, na véspera da partida, por R$ 7 mil, 42 vezes a cifra original.

Crime reconhecido no Estatuto do Torcedor, o cambismo perpetua-se nas decisões mundo afora. Beira o ilusório tentar combatê-lo com um fermento exagerado no preço mínimo de tabela.

O piso de 200 dólares na final da Libertadores, quase o triplo em comparação com a de 2019 (Flamengo 2 x 1 River), talvez pretenda embolsar parte do ágio inevitável em espetáculos exclusivos. Mas contém um efeito colateral emblemático. Alarga a distância ao Brasil brasileiro, castigado pela atrofia de quase 11% na renda média, maior queda desde 2012; pela cesta básica 20% mais cara; pelos 14,5 milhões de desempregados formais.

Quando a venda para a decisão começar, na próxima quarta, os 20 mil bilhetes por ora disponíveis devem se esgotar rapidamente – inclusive os de 650 dólares. O provável sucesso comercial não reduz o fosso para o Brasil afundado na desigualdade, o Brasil dos pés descalços atrás da bola, do carnaval das torcidas.

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O país do futebol constitui-se não só do peso da bola na nossa identidade cultural e no nosso cotidiano. Ancora-se não só nos cinco títulos mundiais e na projeção internacional esculpidos por sucessivas safras de talentos.

O epíteto expressa nossa aderência à transversalidade do futebol, capaz de diluir hierarquias e papeis sociais. Uma democratização impulsionada pela prática fácil, poética – quem nunca brincou de chutar chapinha? – e pela mistura sagrada das arquibancadas.

Deixá-las inacessíveis às camadas e expressões populares não é uma decorrência natural do incremento de campeonatos, estádios, experiências, tampouco uma manobra inexorável à legítima expansão de receitas. É o esboço de um apartheid adubado na complacência. Deveria despertar reações menos tópicas do que a chiadeira nas redes sociais e o recado solitário do atacante Dudu: “Muito caro o ingresso, tem que ser mais barato”.  Melhor português, impossível.

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Orquestração rubro-negra

O torcedor rubro-negro ganha uma inspiração adicional ao sonho tri na Liberta. Junior conta bastidores dos títulos carioca de 1991 e brasileiro de 1992 no recém-lançado “Maestro” (Approach / Museu da Pelada), escrito com o pesquisador Maurício Neves. Eles vão autografar o livro nesta terça (26), às 18h, na sede do Flamengo (Av. Borges de Medeiros 997, Lagoa).

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Com prefácio de Arthur Muhlenberg, as 172 páginas mergulham naquelas campanhas vitoriosas comandadas por Júnior, depois da volta ao Fla, em 1989, aos 35 anos. O craque trocara a lateral para se eternizar como maestro do meio-campo.

Ilustrada por Marcos Vinicius e Rapha Baggas, a publicação traz ainda o posfácio de Marcos Eduardo Neves, autor das biografias sobre Heleno, Renato Gaúcho e Loco Abreu, entre outras. Orquestração à altura do cultuado regente.

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, também formado em Educação Física.

 

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