Pedro Scooby carrega o feitiço reservado aos mortais de bem com a vida. Fabrica horas no dia a dia, e as transforma em sorriso. Riso carioca, fluido, regado a adrenalina, extraído de uma doce algazarra. Os afazeres de empresário, influenciador, modelo, entrevistador, comentarista e de pai pra toda obra incorporam-se à maratona de treinos proporcional à iminência de encarar, aos 35 anos, sua décima rodada nos himalaias líquidos de Nazaré.
As dores e delícias de domar os tobogãs da praia portuguesa compõem a série documental “A onda de 100 pés”, da HBO, cuja segunda temporada, produzida e dirigida por Chris Smith e Joe Lewis, concorre em seis categorias do Emmy 2023. “Estou orgulhoso, pelas indicações ao prêmio e pelo documentário mostrar os esforços para surfarmos em Nazaré. Isso torna o esporte mais reconhecido”, destaca o craque das ondas gigantes, vice-campeão mundial em 2021.
A participação efetiva de Scooby no quarto episódio constitui um aperitivo da intensa rotina do surfista que será exposta na temporada 2024 da série. “Gravamos no Rio e em Portugal. Fiquei amarradão”, comemora. Num papo ligeiro por vídeo, entre a fisioterapia no joelho e os cuidados com a caçula Aurora, de 7 meses, ele revela bastidores das filmagens, dimensiona a importância da aproximação entre o mundo esportivo e o cinema documental, e conta a mágica de se equilibrar sobre o tsunami de atividades profissionais, domésticas, sociais.
As seis indicações ao Emmy atestam o prestígio audiovisual da segunda temporada de “A onda de 100 pés”. Para você, um dos surfistas retratados na série, o que torna o documentário marcante?
Ele captura a visibilidade cinematográfica de Nazaré e expõe o surfe de ondas gigantes além das marcas, além do imediatismo midiático. A primeira temporada mostra como Garrett McNamara descobriu Nazaré e surfou, em 2011, a tal onda de 100 pés (aproximadamente 30 metros), recorde registrado no Guiness. Já a segunda temporada reúne bastidores dos surfistas que, como eu faço desde 2012, passaram a frequentar aquela praia atrás do mesmo sonho, da mesma adrenalina.
Um sonho que extrapola recordes e medalhas, né?
Exato. Muitas vezes a mídia mostra só a medalha, a vitória. Mas há muitas outras coisas, boas e ruins, que acompanham o surfe de ondas gigantes: os treinos intensos, as lesões, os sacrifícios. O documentário expõe tudo isso. Reconhece o protagonismo desse esporte. Retrata o seu contexto, a sua dimensão, e o coloca, do ponto de vista audiovisual, no patamar de modalidades como a Fórmula 1, o basquete americano e o tênis, abordadas em séries de sucesso. As indicações ao Emmy coroam esse reconhecimento. Fico orgulhoso.
O que você destaca da sua participação no documentário?
A participação valorizou o profissionalismo, a dedicação por trás das disputas e dos troféus. O documentário traz um banho de reconhecimento global. Hoje gente do mundo todo pede para tirar foto comigo. Ao mostrar a ralação por trás de conquistas como o vice mundial em 2021, quando também tirei a melhor nota da temporada, o documentário expressa a real dimensão do surfe de ondas gigantes.
E vem mais Scooby na próxima temporada da série, certo?
Sim, a terceira temporada vai detalhar a minha vida no Rio e em Portugal, muito dedicada ao desempenho em Nazaré.
Qual a importância da aproximação crescente, impulsionada pelo streaming, entre o cinema documental e o streaming?
Acredito que um dos principais benefícios seja, como eu disse, ampliar e aprofundar a visibilidade do esporte, das suas histórias, dos seus personagens, que muitas vezes passam ao largo da mídia.
Como você concilia a preparação para os torneios de ondas gigantes com outros afazeres profissionais, sociais e domésticos, inclusive cuidar de quatro filhos?
Gosto muito das coisas que faço, e isso ajuda. Também procuro administrar bem meus dois lados: o modo carioca e o modo Nazaré. Quando estou no Rio, concilio a agenda de treinos com as agendas social e familiar. Sou o Scooby dos amigos, das crianças, da casa cheia, do churrasco, da social em Curicica, da bagunça gostosa, sem abdicar da pegada profissional. No modo Nazaré, sou focado nos treinamentos e nas competições, mantendo a alegria. Até porque estar na água, com adrenalina a mil, sempre me deixa feliz.
Felicidade que se acende na caçada à onda perfeita…
Isso mesmo. Em Nazaré, a gente manobra entre a sobrevivência e a perseguição à onda de 100 pés. Nos meus dez anos de Nazaré, já estive perto dela algumas vezes, como numa inesquecível manhã de 2021.
Espera revivê-la ou superá-la na competição deste ano, a partir de outubro?
Claro. Eu me preparo pra isso, sonho com isso. Já estou recuperado das lesões nos joelhos. Vou com tudo.
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Alexandre Carauta é professor da PUC-Rio, doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física. Organizador do livro “Comunicação estratégica no esporte”.